quinta-feira, 22 de julho de 2010

PROTESTANTES - SEDE DE SANGUE - III-I-3

"A religião calvinista, diz NIEBUHR, revelou em toda a parte, na Ingraterra, na Holanda e em Genebra, a sua sede de sangue. Foi uma nova inquisição que não teve, porém, nenhum dos merecimentos da católica"




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LIVRO III



A IGREJA, A REFORMA E A CIVILIZAÇÃO



Capítulo I



A IGREJA, A REFORMA E A GRANDEZA ECONÔMICA E POLÍTICA DAS NAÇÕES



§ 3. - Marcha ascendente das nações protestantes?



SUMÁRIO - Holanda. - Países escandinavos. - Suíça. - Alemanha. - Inglaterra. - Estados Unidos. - Conclusões.




Passemos a examinar a marcha ascendente das nações protestantes e comecemos pela menor dentre elas:Holanda. - Povo ativo, industrioso e comercial eram já os holandeses quando em meados do século XVI abraçaram a Reforma. A introdução do calvinismo assinou-se logo pela extinção das














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liberdades políticas e religiosas. "A religião calvinista, diz NIEBUHR, revelou em toda a parte, na Ingraterra, na Holanda e em Genebra, a sua sede de sangue. Foi uma nova inquisição que não teve, porém, nenhum dos merecimentos da católica".43 Não obstante, os erros políticos das cortes espanholas facilitaram a independência do país e a sua expansão marítima. O império colonial holandês estendeu-se em poucos anos pela África, Ásia e América à custa de Portugal, Espanha e também Inglaterra. Não foram certamente as regras da moral e do direito que presidiram a estas conquistas. Mas não responsabilizamos por isso ao protestantismo. O desenvolvimento marítimo dos Países Baixos tocou então o seu apogeu. Dos 20.000 navios que constituíram nesta época a frota mercantil da Europa 16.000 navegavam sob a bandeira holandesa.


Foi, porém, uma prosperidade efêmera. A segunda metade do século XVII marca o primeiro declínio desta grande potência, raínha dos mares. França e Alemanha entraram cedo a lutar em concorrência comercial. A Inglaterra crescera e fortificara-se. A sorte das armas na guerra de 1651-52 foi-lhe favorável e a Holanda, pelos mesmos processos por que expoliara os católicos espanhóis e portugueses, viu-se esbulhada pelos seus correligionários britânicos. Umas após outras, quase todas as suas colônias passaram para o domínio inglês.

Trabalhado internamente durante o século XVIII por intermináveis discórdias religiosas e civis, o país entrou em franca decadência. Por fim foram chamados os estrangeiros e os holandeses viram, sem pejo, prussianos, belgas e franceses retallharem o coração da pátria. Em 1787, os prussianos conquistaram Amsterdão; em 1795 os franceses se assenhorearam de todo o seu território que passou a ser uma província dependentes de Paris.

Hoje, a pequena Holanda, ainda rica, mas amesquinhada, depois de ver esboroar-se o seu grande império de outrora, passou a ocupar um lugar modesto no convívio das nações civilizadas. O protestantismo não fez a sua grandeza política, o protestantismo contribuiu em parte para o seu desmoronamento final. Sua trajetória de grande potência, descreveu-a toda nos seus ramos - ascendente de decendente - no seio da Reforma.

Em nossos dias, a Holanda volta insensivelmente à unidade católica.
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43. NIEBUHR, Nachgelassene Schriflen, Hamburgh, 1842, p. 288.

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Países escandinavos. Suécia. - Dos primeiros anos do século XVI, quando a Suécia entrou a fazer parte do monopólio hanseático, data o seu desenvolvimento econômico. As vitórias de GUSTAVO WASA (1523) elevaram-na bem cedo a grande potência militar. Foi este príncipe, para o qual a religião não passava de instrumento de ambições políticas que, a poder de fraudes e de violências, introduziu o protestantismo em seu país. Implantando-o de fato, negava continuamente que se tratasse de introduzir uma nova doutrina. Cinquenta anos mais tarde, o povo não tinha consciência da mudança e julgava-se ainda católico. Ao dolo repugnante aliou a opressão da força bruta. Decapitou bispos, confiscou o patrimônio da Igreja, procreveu rigorosamente o culto católico.

Durante os reinados de CARLOS IX (m.1611) e de GUSTAVO ADOLFO (1611-1633) que conquistou à Alemanha a ilha Rügen, a Pomerânia e os bispados de Gremen e de Verdem, as manufaturas e indústrias prosperaram e o comércio marítimo desenvolveu-se a ponto de revalizar com a Holanda. A Reforma, porém, havia implantada no país o governo absoluto, alternadamente gerido pelos reis e pela nobreza. Em 1680 declararam os deputado da nação que o rei não era ligado a nenhuma forma de governo e em 1682, que os estatutos e ordenações já o não obrigavam a ouvir os estados. Estes, antes chamados "estados da nação" passaram a denominar-se "estados de sua majestade". Era a volta do absolutismo pagão: a vontade do rei é lei. O soberano podia governar a seu bel-prazer. Com o assassínio de CARLOS XII, o poder absoluto passou para as mãos da nobreza; a revolução de 1771 restitiu-o a GUSTAVO III.

Segundo o historiador da Suécia, GEIJER, a introdução da Reforma produziu três efeitos: 1) o povo deixou pouco a pouco de participar nos negócios da igreja que passou a ser uma forma exterior do regime monárquico e aristocrático, um apêndice clerical dos ofícios civis e militares do estado; 2) inaugurou-se um novo direito civil, segundo o qual os bens dos municípios e aldeias - rio, instalações hidráulicas e todas as terras incultas - eram propriedade da coroa; 3) implantou-se o desequilíbrio social pela perturbação da harmonia entre as relações naturais civis dos estados. "Introduziu-se então esta desordem nas relações naturais entre as diversas classes da sociedade, esta desarmonia na ordem política que de 300 anos a esta parte imprimiu à história sueca seu caráter incerto e variável e causou uma série de mudanças que até 1789 não se haviam visto em nenhum estado europeu. A três dos seus soberanos



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assassinou a nobresa do país: ERICO XIV, CARLOS XII e GUSTAVO III; dois foram depostos: SIGISMUNDO e GUSTAVO IX; expulsa finalmente a dinastia nacional, o país e a coroa dados ou vendidos a um oficial estrangeiro, a um general de Napoleão.44

Antes, porém, desta época já a prolongada guerra de CARLOS XII (1697-1718) com a Rússia, a Dinamarca e a Polônia havia arrastado o país à orla do abismo. Perdidas as suas poessessões, a prosperidade econômica entrou a declinar. A Suécia continuou protestante.


Noruega e Dinamarca constituíram até 1814 um único reino. O protestantismo foi nele introduzido por CRISTIANO II, o Nero do Norte. Mesmas sevícias contra os católicos, mesmas execuções de bispos e deportações de religiosos, mesmas confiscações de bens eclesiásticos, cortejo inseparável desta liberal e tolerante Reforma que com o ódio no coração e a espada à cinta vinha restituir o antigo espírito do Evangelho e da Igreja primitiva, com a única diferença que os primeiros cristãos morriam mártires, os novos, os refomadores os faziam.

A prática da violência gerou o absolutismo, de cujos flancos nasceu espontaneamente a escravidão. "Escravidão de cães pesou de novo sobre os agricultores dinamarqueses... Reis e nobres dividiam entre si o poder; os próprios filhos dos predicantes e sacristães eram escravos".45

Os nobres serviam-se da Reforma para apoderar-se não só dos benefícios eclesiásticos mas ainda das propriedade dos livres camponeses. A agricultura entrou a decair, a população diminuiu e as terras outrora cultivadas ficaram reduzidas a desertos.

Novos privilégios exaltaram tanto o poderio da aristocracia que, de fato, reis e burgueses não passavam de servos dos nobres. A revolução de 1660 (FREDERICO III) quebrou esse poder da nobreza, mas concentrou-0 nas mãos onipotentes do soberano. Uma lei real promulgada em 1665 determinava que o rei não devia prestar juramento algum, não contraía obrigação de espécie alguma, mas com poder absoluto podia fazer o que bem lhe apouvesse. A miséria dos agricultores foi novamente agravada com as confiscações em proveito da coroa. Em 1701 foi abolida a escravidão, mas substituiu-a logo outro jugo não menos pesado. Uma ordem de 1764 prendia o componês à gleba. Durante um século, os seus efeitos fizeram sentir-se desatrosamente no descrescimento da população, no desaparecimento
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44. DOELLINGER, Kirche und Kirchen, München, 1861, p. 103.

45. BARTHOLD, Geschichte von Rügen und pommern, IV, 2, 294.




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das herdades e na decadência geral da instrução. Só em 1804 foi concedida a liberdade pessoal a 20 mil famílias. A revolução de 1848 quebrou o despotismo da coroa, colocando-lhe ao lado um ministro e um parlamento.

Economicamente, não obstante este tristíssimo estado social, a Dinamarca começou a prosperar nos fins do século XVI, estendendo as suas colônias até às Índias orientais e ocidentais. A neutralidade observada nas guerras do século XVIII proporcionou-lhe um longo período de paz exterior. Ainda aqui, porém, o século XIX inaugurou-lhe a decadência. Em 1807, ingleses e franceses, bombarbearam sob o comando de NELSON, a capital do país e queimaram-lhe 700 navios (meio expedito de desembaraçar-se de concorrentes molestos). Em 1814 os dois reinos separaram-se; em 1864 a Alemanha conquistou as duas florentíssimas províncias de Schleswig-Holstein. O protestnatismo não conseguiu salvar a Dinamarca da derrota nem elevá-la à grandeza de outrora.

Suíça. - ROUSSEL, LAVELEYE e C. PEREIRA, que os segue docilmente, viram na diferença de prosperidade entre os cantões católicos e os protestantes mais uma prova da superioridade do protestantismo. Esqueceram, porém, de nos falar das diversas condições climatéricas e geográficas que explicam naturalmente esta desigualdade sem fazer apelo à diferença de credos religiosos.

Os cantões protestantes de Neufchtel, Vaud Zürich, Genebras, Schafhouse, Rhodes exteriores de Appenzel estendem, nas margens dos grandes lagos, pelos vales risonhos e férteis que se desdobram aos pés do Jura, enquanto os cantões católicos de Zuga, Alto Valais, Schwitz, Uri e Rhodes inferiores ocupam as regiões das altas montanhas. Aqui, o solo é pedregoso e alcantilado, os vinhedos não medram nesta terras revestidas de neve; o comércio e a indústria, sem grandes vias de comunicações, não se podem desenvolver em regiões fragosas. As magras pastagens são quase o único recurso lucrativo dos habitantes.



Por este mesmo motivo os grandes núcleos urbanos, as grandes cidades comerciais e industriais - Berna, Basiléia, Zürich e Genebra - acumularam-se naturalmente nas regiões que mais tarde foram protestantes. À vista destas diferenças, é pueril explicar a inferioridade de alguns cantões e a superioridade de outros por influências opostas do catolicismo e do protestantismo. A mesma desigualdade econômica subsistiria se uma só fosse a religião de todos os cantões helvéticos ou se os montanhosos e áridos fossem protestantes e os outros


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católicos. A reforma não mudaria as condições naturais e a configuração geográfica do solo.

Se se comparam os cantões católicos com a faixa protestante de Waadt que se acha em idênticas condições de altitude, a vantagem é dos católicos. O católico Wallis oferece-nos na sua população sadia e vigorosa, na qual dificilmente se encontra um pobre, outro exemplo de prosperidade econômica.

Todos sabem que na protestante Noruega cerca de 75% do solo é refratário a qualquer cultura. Que diríamos do apologista que, da comparação destas terras sáfaras e improdutivas com as fetilíssimas planícies da França ou da Lombardia pretendesse tirar uma prova triunfante em favor da superioridade econômica do catolicismo? O argumento de LAVALEYE e de C. PEREIRA não tem mais valor.

Alemanha. - A Alemanha é a pátria do protestantismo. Seu maravilhoso desenvolvimento econômico, industrial, científico e militar, que, na segunda metade do século XIX, a elevou rapidamente à altura das primeiras potências européias, não poderia deixar de ser largamente explorado pelos polemistas superficiais, como argumento invencível, contra a eficácia civilizadora do catolicismo.

Apagando com um t5raço de pena a história de muitos séculos, estes improvisadores de filosofia social conservaram apenas dois fatos: a reforma luterana e o progresso do século XIX. e ligando-os com um vínculo de causalidade postiça, conclíram pressurosamente: aquilo produziu isto.

Mas a história não se deixa assim esbulhar de seus direitos e a verdade acaba infalivelmente por dissipar a cerração adensada pelos preconceitos de partido.

"A história dos séculos XIV e XV atesta-nos um surto no trabalho profissional e um bem-estar comum dos operários como juntos não se encontram em nenhuma outra época. É tempo de rasgar o véu estendido sobre o estado econômico desse período histórico bem como sobre os tão falsos quão indignos preconceitos acerca do operarário alemão da idade média".46

Com efeito, muito antes da rebelião do monge saxônio já a Alemanha havia atingido um elevado grau de prosperidade material. Todos os economistas e historiadores conhecem a florescência da Liga
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46. g. schönberg, Zur wirtschaftlichen Bedeutun des deutschen Zunftwassens im Mittelafter, Berlin, 1868, p. 51.



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Hanseática. Organizada a princípio contra os piratas e corsários escandinavos, começou a dilatar-se nos fins do século XII. Nos princípios do seguinte era uma vasta aliança das mais ricas e populosas cidades alemães. A confederação era dividida em quatro grandes destritos a cuja frente se achavam Colônia com 20 cidades, Braunchsweig com 30, Danzig com 8 e Lubeck, capital da confederação. Todo o comércio da Europa setentrional estava nas suas mãos, como o do Mediterrâneo no poder de Veneza. Na Rússia, na Inglaterra, na Suécia e na Flandres multiplicavam-se as suas feitorias. A linha do Reno abria-lhe o caminho para intercâmbios comerciais com o centro e o meio-dia da Europa.

Toda esta maravilhosa atividade de comércio exterior supunha no interior do país grande vitalidade agrícola e industrial. E assim era. As florestas da Suécia e da Polônia haviam sido transformadas em risonhos campos cultivados. As minas de chumbo e estanho eram exploradas e os mineiros alemães, célebres em toda a Europa, eram procurados e contratados pela Inglaterra e Espanha. Seus engociantes e banqueiros faziam empréstimos ao imperador, aos reis de França e Espanha e a quase todos os grandes senhores do continente. Seus estaleiros povoavam os mares de navios. A arquitetura levantava estes grandiosos edifícios e estas admiráveis igrejas que são ainda hoje o orgulho e a glória da arte alemã.

Podemos, pois, concluir com PHILIPPSON que "no começo da idade moderna era a Alemanha um dos países mais industriosos, mais povoados e mais ricos do mundo. Os próprios filhos da culta Itália admiravam o número dos seus habitantes, o seu bem-estar, a sua atividade profissional. Segundo os cálculos mais exatos, contava a Alemanha 30 habitantes por km2 o que dá uma população apoximada de 20 milhões de almas, numa época em que a França não contava mais de 20 e a Inglaterra 2,5 e a Escócia umas 800 mil almas".47 Tal era a Alemanha católica.
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47. M. PHILIPPSON, Die Nation, 1896, n. 24, p. 362. "É coisa conhecida que, antes da Reforma, durante os séculos XIV e XV, a vida civil na Alemanha atingiu uma prosperidade econômica, uma riqueza artística, uma independência política, a que mais tarde, só após longa decadência, conceguiu guadualmente elevar-se no século XIX". JOSEPH MAUSBACH, Religion, Christentum, Cirche, Kempten u. München, 1913, t. III, p. 206. Sobre a prosperidade da Alemanha medieval, cfr. J. JANSEN, Geschichte des deustchen volks seit dem Augsgang des Mittlerlters, t. I(16-18). Freiburg i. B., 1897; E. MICHAEL, Die Geschechte des deutschen Volks seit dem Dreizehnten Jahrhundert bis zum Ausgang des Mittelalters, t. I-VI, Freiburg i. B.,m 1897; RTICHARD EHRENGBERG, Hamburg und England im Zeitalter der Koenigin Elisabeth, Iena, 1896.



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No primeiro quartel do século XVI estalou a grande revolução religiosa. Qual o seu efeito sobre o bem-estar nacional? Ouçamos testemunhas insuspeitas. O protestante DROYSEN: Nunca houve revolução que causasse mais profunda e miserável ruína. Como uma batalha, tudo foi desorganizado e posto em questão, primeiro no campo do pensamento, depois, pelas consequências rapidamente deduzidas, em todos os estados, em todas as disciplinas, em todas as ordens".48 LAURENT, professor liberal na universidade de Gand: "A Reforma foi uma revolução. Mais do que qualquer outra, trouxe consigo um danoso cortejo de sangue e de ruínas... na Alemanha uma guerra de 30 anos que atrasou a sua civilização de um século; por toda parte, cismas e ódios que dilaceraram a cristandade e ainda hoje se não extinguiram".49

De fato, o protestantismo "nasceu como uma fúria, com as armas na mão; não como um evangelho com doçura e milagres mas como um Corão, tudo armas e furores" (BERULLE). Roubar conventos, destruir igrejas, profanar coisas santas, amotinar populações pacíficas, minar a autoridade, semear discórdias, esparzir sangue fraterno foi a sua primeira obra. A guerra dos camponeses pôs todo o país a ferro e fogo. 

O absolutismo dos seus príncipes sucedeu ao antigo regime político. A decadência precipitou-se de catástrofe em catástrofe. Em 1570, a principal feitoria na Rússia, Nowgorod foi destruída. Em 1597 ISABEL tirou-lhes a de Londres. Da Escandinávia foram desterrados os negociantes alemães. Mais tarde, a guerra dos 30 anos (1629-1648) acabou de prostrar o florescente país de outrora. Os príncipes armandos contra o imperador chamaram em seu auxílio exércitos estrangeiros. Tudo foi talado e assolado. A população, em pouco tempo dizimada pelos assassínios, pela peste e pela fome, ficou reduzida a um terço. O comércio, a agricultura, a indústria foram aniquilados; apenas Hamburgo, Bremen e Lübeck, sem conservarem o antigo esplendor, sobreviveram à ruína geral. O território pátrio foi retalhado e dividido entre as potências inimigas: Suécia apoderou-se de várias províncias do norte, França anexou a Alsácia e a Lorena.


Juntamente com estas depredações no campo econômico, o protestantismo inaugurou a decadência das liberdades civis e políticas, firmadas na Idade Média. "Resultado natural da Reforma foi o
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48. JOH. GUSTAV. DROYSEN, Geschichte der preussischen Politik, Leipzig,1859, t. II, 2. po. 145-46.


49. LAURENT, Etudes sur l'histoire de l'humanité, VII, 453.


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aumento do poder dos príncipes e magistrados e a diminuição da liberdade na pequena nobreza, nos operários e nos camponeses".50 É só percorrer a evolução social dos principais estados submetidos à influência protestante.

No Mecklemburgo, a aristocracia firmou o seu domínio. Os bens esclesiásticos confiscados foram dilapidados em festas e divertimentos. As antigas liberdades civis cassadas. Os agricultores perderam a liberdade pessoal e pelas ordenações de 1633, 1646 e 1656 foram reduzidos à escravidão. Repristinou-se o direito romano dos escravos e introduziu-se em 1660 a penas de morte. A situação do camponês legalmente pouco diferia da do negro. Com ele se negociava como com bois e cavalos. em 1820 foi a escravidão abolida.

Na Pomerânia mesmos efeitos: exaltação do poder absoluto, abatimento do povo reduzido ao ilotismo. Uma ordenação de 1616 declarava que os lavradores eram escravos, sem direitos civis. Tal estado de coisas prolongou-se até ao século XIX.

No Braunschwig-Hannover, o governo teocrático dos príncipes, guindado ao mais radical absolutismo, cassou a antiga autonomia das cidades, destruiu a liberdade civil e substituiu o direito prussiano pelo romano.

No Brandeburgo, com o empobrecimento dos nobres e das cidades, criou raízes, no século XVII, o poder absoluto dos príncipes. As execuções militares, até então desconhecidas na Alemanha, foram introduzidas para defesa do trono. FREDERICO GUILHERME I e FREDERICO II implantaram o regine do absolutismo. Em matéria profana e religiosa o soberano era o árbitro das consciências. FREDERICO GUILHERME I, inteiramente convencido da sua onipotência, violentava os juízes a bengaladas, reformava-lhes as sentenças a seu talante e
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50. H. LEO, Lehrbuch der Universalgeschichte(4), Halle, 1853.



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mandava enforcar cidadãos "sem delongas processuais". Invadindo o domínio religioso, entrou pessoalmente a reformar com o mesmo despotismo. Em 1729 chegou a proibir que se levasse uma cruz nos enterros; era uma relíquia do papismo!

Eis o estado econômico e político51 a que se achava reduzida a infeliz Alemanha. Foram necessários mais de dois séculos para que ela pudesse convalescer da prostração geral com que a abateu o protestantismo. Sob o cetro de FREDERICO II, rei sem fé e sem costumes, escarnecedor do cristianismo, a Prússia começou a reafirmar a sua potência no equilíbrio político europeu. NAPOLEÃO humilhou-a pouco depois. Mas novo complexo de circunstâncias favoráveis - liga dos principais estados alemães em 1833, confederação germânico sob Bismarck o tempo perdido e marchar a passo acelerado para os cimos do fastígio político e militar a que atingiu antes das grande catástrofe de 1918.

Neste admirável progresso tanto influiu o protestantismo quanto o catolicismo. A prosperidade das diversas províncias do império germânico mede-se, não pela diversidade de suas confissões religiosas, senão pelas condições geográficas e geológicas do solo.


Opõe-se algumas vezes a inferioridade econômica da Baviera católica à prosperidade da Saxônia protestante. Mas no ponto de vista agrícola, a Saxônia com os seus ricos terrenos de aluvião é uma das regiões mais férteis da Europa central; a Baviera, com exceção dos prados que bordam as margens do Danúbio e constituem a parte menor do reino, tem no Alto-Palatinado e na Alta-Baviera um solo avesso à cultura, em grande parte arenoso e semeado de blocos erráticos, onde o clima é destemperado e o invernos rigorosos. O Cultivo dos cereais é muito limitado; a indústria de laticínios constituiu quase toda a fonte de riqueza. Mais frisante ainda é a diferença do ponto de vista geológico. Das suas minas, mal extrai a Baviera, anualmente, um milhão de toneladas de hulha. A Saxônia, muito menor, tira anualmente das ricas bacias do Erz-Geirge e Mittlgebirge mais 5

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51. Nos capítulos seguintes estudaremos mais de sobremão a decadência intelectual e a corrupção dos costumes que se seguiram ao movimento "reformador".



52. Parece incrível! Quereis saber por que a França foi derrotada pela Alemanha? Ouvi ao Sr. C. Pereira: "Com a revogação do edito de Nantes em 1685, sob Luís XIV, emprobreceu-se a França pela larga emigração de hugenotes que foram levar à Holanda, à Inglaterra e à Prússia aquela prosperidade e força que provocou a catástrofe de 1870", p. 52. Quem haveria de pensar que o desterro de alguns milhares de reformados havia de causar, dois séculos mais tarde, o desastre de Sedan? Só o Sr. C. PEREIRA possui o segredo destas profundas intuições na filosofia da história.

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milhões de toneladas de ulha e um milhão e meio de toneladas de lignite. Que muito se tenham aí desenvolvido as grandes indústrias? A cornucópia da abundância protestante não teria enriquecido o subsolo bávaro. O catolicismo não poria embargos à exploração das grandes jazidas saxônias.

Outro contraste. A Prússia oriental - de Berlim a Künigsberg - é, salvo raras exceções, uma região pobre. A indústria não medra nas suas cidades. O solo - formação quaternária revestida de camadas de areia, argila e marga, é imprestável para a agricultura, que a uniformidade do clima torna ainda mais difícil. De onde em onde encontram-se ainda extensões que se assemelham a verdadeiros desertos.

Outro é o espetáculo que nos apresentam, as províncias renanas. Alegres vinhedos, louros trigais tapizam as margens ubertosas do grande rio, que oferece em todo o seu percurso uma via natural fácil de comunicação. As riquíssimas jazidas do Sarre, do Ruhr, do Eschweiler - cobiçado pomo dos vencedores da grande guerra - são reservatórios inexauríveis de hulha. A só bacia do Ruhr, pouco antes da conflagração européia, dava anualmente para cima de 52 milhões de toneladas do precioso combustível, alimento da indústria moderna. Daí as grandes fábricas de tecidos, as imensas fundições de ferro, as poderosas forjas que se elevam de Elberfeld a Colônia.

Ora, a Prússia renana, com esta brilhante prosperidade, é uma das regiões mais católicas do mundo, enquanto a Prússia oriental com a indigência que vimos, é a região mais protestante da Alemanha. Merecimento do catolicismo? Culpa do protestantismo? Evidentemente não. As causas naturais explicam perfeitamente o fato. Julgasse LEVELEYE com a mesma imparcilidade e a sua tese da superioridade econômica dos países reformados se desfaria como um castelo de cartas.53

Inglaterra. - Depois da Alemanha é a Inglaterra o mais forte baluarte do protestantimo. Negar-lhe a grandeza comercial, a
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53. ROUSSEL, na obra citada, t. I, p. 384 e sgs. opondo a Áustria católica à Prússia protestante tira argumento da florescência econômica de todas as províncias prussianas. A prosperidade das regiões renanas católicas, servia poderosamente na pena do consciencioso pastor, para assentar a superioridade social do protestantismo! O Sr. C. PEREIRA não abusa menos indignamente da inexperiência dos leitores, quando copiando cegamente a Macaulay, escreve: "quem quer que na Alemanha passe de um principado católico romano para um protestante... sente logo que tem passado de um grau de civilização inferior a uma grau superior", p. 117. - Já advertimos como algumas províncias católicas ocupam os primeiro lugares na confederação alemã, e algumas protestantes, o últimos. Passe destas para aquelas e escreva o período às avessas.



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prosperidade econômica, a influência política, fora pueril. Investigar, porém, as causas desta hegemonia no domínio do progresso material e terreno, indagar se e até que ponto o protestantismo nela influiu é interessante estudo de filosofia social. Esbocemos as linhas principais.


Itália, Flandres e Alemanha precederam de muito o desenvolvimento econômico da Grã-Bretanha. Os grandes empresários comerciais de Veneza, Gênova e da liga Hanseática enviavam as suas frotas mercantis aos portos da ilha e aí comprovam as matérias-primas - principalmente lã - que depois trabalhavam nas suas fábricas e manufaturas. Os objetos de ouro e prata dinzelados nos mosteiros eram quase o único produto de exportação inglesa.

Pouco a pouco, porém, os seus industriosos habitantes começaram a tornar-se independentes da influência estrangeira. HENRIQUE I (1190), fundando uma fábrica de tecidos com o auxílio de operários flamengos, deu o primeiro impulso à indústria nacional. As cruzadas e a Magna Carta outorgaram franquias e privilégios aos seus negociantes. As corporações operárias organizavam-se e cresciam em número e poder. EDUARDO III (1331), que figurava na corporação dos armeiros (reis democráticos daqueles bons tempos!) atraiu ao país novas colônias de tgrabalhadores do continentente. Destarte, em meados do século XIV, já era a Inglaterra uma potência comercial de valor. Desta epóca data o seu grande surto econômico.

Sob HENRIQUE VII 54 nos fins do século XV, felizes tratados celebrados com a Dinamarca (1490), com Florença (1490) e com a Flandres (Intercursus Magnus 1496) rasgaram novos horizontes ao comércio marítimo, no qual com o tempo tanto havia de exceler. Os navios ingleses lançavam-se na volta de Portugal, Espanha, Veneza, Flandres, Prússia, etc. O descobrimento do novo mundo encontrou a Inglaterra já preparada para tomar o seu lugar entre as grandes potências marítimas da Europa.55

Neste tempo, a Inglaterra vivia feliz; foi a verdadeira idade de ouro da sua prosperidade. Associados em grandes corporações, seus operários eram independentes e viviam com fartura do fruto dos seus
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54. "This reing (de Henrique VII) may indeed by taken as marking the period, when England began to be something of a commercial power, and hanceforth she more anda more asserts herself as such"

55. "By the time of the great discoveries of the explorers of the New World, England was almost ready to take her place among the great commercial nations of Europe". GIBBINS, Op. ciot., p. 98.




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suores. Salários altos, víveres baratos. Trabalho moderado, entremeado pelas festas religiosas. O fantasma negro do pauperismo ainda não havia abatido sobre os seus filhos. Sob um céu sempre carregado, a vida era fácil, alegre, prazenteira. O spleen era doença desconhecida. Inglaterra era a Inglaterra "jovial" por excelência, the merry England. Não havia milionários que morressem de tédio, não havia pobres que morressem de fome.56


A fronte loura dos católicos filhos de Albion não a ensombrara ainda este véu, sem amor, sem festas, sem culto, sem altar, sem tabernáculo.

Mas o protestantismo veio. O mesmo príncipe sensual e perdulário que separou a Inglaterra da comunhão católica esteve a pique de arruiná-la completamente. HENRIQUE VIII cismático foi a antítese de HENRIQUE VII católico. O pai elevara o reino às alturas de uma grande potência; o filho arrastou-o à orla do abismo. Por sua morte, o povo estava reduzido à miséria e a influência do país por terra.57
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56. Os historiadores sérios que se ocuparam deste período são contestes em afirmá-lo.
"I have stated more than once were the fifteenth century and th first quartel of the sixteenth were the golden age of the english labourer, if we are to interpret the wages which he earned by cost of necessaries of life. At no time were wages relatively speaking, so high and at no time was food so cheap" JAMES E. THOROLD ROGERS, Six Centuries of work anda wages. The history of english labourer, London, 1886, p. 325. O socialista KEIR HADIE: The protestant Reformation by despoiling the monasteries of their land, the one refuge to which the needy worker could fly for succour, also told heavely against the poor; whilst the new gospel of individual salvation lent the senction of religion to the selfish creed of "each for himself", which was the just beginning to assert itself as the dominant principle in business. Under its beatiful influence, old customs and habits and the old communal traditional life of the people in town and country were ruthlessly broken and destroyed and that era of desolation and harren inhumanity entered upon from which only just now beginning to emerge". From Serfdom to Socialism, c. V. WILLIAM COBERTT, na sua obra Protestant Refomation demonstra que a revolta religiosa não foi um reforma senão uma "devastation of England which was, at the time when this event took place, the happiest coutry, perhaps, thar the sorld had ever seen" e "this devastation impoverished and degraded the main body of the people". O mesmo autor na carta XVI isntitui o paralelo entre a Inglaterra do século XIX e a Inglaterra católica de antes da Reforma e prova com irrecusáveis documentos que no ponto de vista da riqueza econômica, do poder político, da liberdade civil e da felicidade geral do povo, a Inglaterra católica era de muito superior à Inglaterra protestante. Sobre a modificação profunda introduzida pela Reforma no caráter inglês, assim se exprime Lord MANNERS: "The England people who of yore were famous of all Europe for their love of manly sports anda theis sturdygood humor, have year been losing that sheerful character and (ilegível) been acquiring habits and thoughts of discontent and moroseness". Lord JOHN MANNERS plea for National Holy Days, London, 1843, p. 7.

57."Never was a contrast more violent than between father and son. The one Was extravagant to such a degree that he succeded in ruining the infortunate people over ... he reigned.The foreing police of the father are cautius, prudent, and, on, on the whole, successful, lthat of the son was reckles, blundering and desastrous. Henry VIII succeded to a position of great strenght. He held the balance of powe in the Western-Europ. At the conclusion of his reign, England was of no more accountg in the political syxtem of the time than Portugal or Napes. Sovereign and people werw alike improverrished". J. E. D. THOSOLD ROGERS, op. cit., p. 321. O protestante MACULAY assim nos descreve o reinado do soberano a quem a Inglaterra deve a separação do Igreja Católica: "Um rei que se não pode retratar senão dizendo que foi o despotismo personificado, ministros sem princípios, aristocracia rapace, Parlamento servil - foram os instrumentos que libertaram a Inglaterra do jugo de Roma. A empresa encetada por Henrique VIII, o assassino de suas mulheres foi continuada por Somerset, o assassino do próprio irmão, e completada por Isabel, que mandou executar a sua prima. Nascida de uma paixão brutal, alimentada por uma política egoísta, a Reforma na Inglaterra não apresenta nenhum dos caracteres que a distinguiram nas outras regiões(?)". MACAULAY, Revew of Hallam's Const. Hist. Cit. por LODIEL., Nos raisons de croire, p. 489.




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"A Inglaterra de 1540 apresenta-nos o espetáculo de um país devastado; obras de arte e teouros de saber, acumulados pelos séculos, tudo desaparecia".58

A crise determinada pela revolução religiosa não foi, porém, tão longa e desastrosa como na Alemanha. A situação insular da Grã-Bretanha pô-la ao abrigo das incursões das guerras desencadeadas no continente pelo protestantismo. O sangue católico continou impunemente a ser derramado em torrentes, os súditos fiéis à antiga religião continuaram a ser oprimidos pela tirania de uma legislação desumana, mas a evolução econômica com o impulso das velocidade preconcebida, prosseguiu o seu curso normal. Os tratados comerciais, a expansão do poder colonial, a liberdade das suas instituições políticas, as priviligiadas condições geográficas e geológicas de seu solo foram, nos séculos eguintes, os principais agentes da grandeza econômica, comercial e industrial da Inglaterra. Qual a influência do protestnatismo em cada um destes fatores?

Sobre a felicidade dos tratados e a sabedoria de suas leis econômicas e comerciais não nos é necessário entrar aqui em pormenores. São efeitos naturais da previdência dos legisladores, da perspicácia dos governantes. O protestantismo não pode sensamente vindicar para si nenhuma ação sobre estes dotes da natureza.

Com moral não se constroem estradas de ferro, disse alguém. Mas sem moral pode construir-se o edifício de um grande império colonial. Uma revisão jurídica dos atos de aquisição dos seus vastos domínios não seria certamente favorável à Inglaterra. A justiça, o direito internacional foram mais de uma vez sacrificados à prepotência das forças e às ambições de uma política sem escrúpulos. É coisa sabida que o interesse comercial inspirou quase sempre a diplomacia e as alianças inglesas. Portugal, Espanha, França e Holanda
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58. CH. S. DEVAS, The key to the World's Progress(2). London, 1908, p. 72.



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não raras vezes experimentaram à sua custa que, nas revelações internacionais com a Inglaterra, nem sempre a força serve ao direito.

A perda da armada invencível (1588), aniquilando o poder naval da Espanha põe as suas colônias à discrição dos corsários ingleses. O injusto tratado de Methuen (1703) entregou o comércio colonial português nas mãos dos seus astutos negociadores. A queda da Antuérpia, a primeira praça comercial do Ocidente, tomada duas vezes pelas tropas espanholas (1567-1585), permitiu a Londres conquistar a primazia sobre a sua rival holandesa. O depojo das colônias batavas começou então e prolongou-se pelos séculos XVII e XVIII. A guerra dos sete anos (1756-1763) e as posteriores aos fins do século XVIII transferiram para o domínio britânico as florescentes colônias da coroa da França59 na América (Canadá) e nas Índias. Todas estas regiões conquistadas, a troco da proteção política e da organização social que receberam da metrópole, cederam-lhe as próprias riquezas. Seus portos fechados por muito tempo ao comércio das outras nações (lei de 1650, 1560, 1630 asseguravam um escoadouro seguro e rendoso aos produtos ingleses, que outras leis proibiam se manipulassem ou fabricassem nas colônias (lei de 1719 para manufaturas de lã e de 1750 para objetos de ferro).60

Não sabemos até que ponto pretende o protestantismo apropriar-se a prerrogativa de inspirador da política colonial da Inglaterra. Nós, católicos, certamente lhe não disputamos nem invejamos esta glória. Em todo este movimento açambarcador da diplomacia britânica só vejo a ação de causas naturais: vitórias de guerra, habilidade de manejos, opressão dos fracos. Influxo moral e religioso, digno de louvor, nenhum.

Outra causa da grandeza do Reino-Unido são incontestavelmente as suas admiráveis instituições políticas, inspiradas por um sopro vivificador de liberdade sadia. Sob este regime altamente liberal, educou-se um povo empreendedor, desenvolveram-se as iniciativas
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59. "The ostensible reason of our declaration of war was the invasion of Holland, then our ally, by France. The real reason of it were that the capitlists and commercial party in England were afraid that the conquests which the new French Republic was already beginning to made, miht help France to secure again her hold position as the most formidal rival of English commerce. If no the reval could be finally struk down, England was sure of the control of the world's markets". GIBBINS, Op. cit., p. 175.

60. Lord CHATHAM dizia ao parlamento: "The British colonies of North America had no reght to manufacture even a nail for morseshoe". ord SHEFFIELD: "The only use of american colonies or West Indian Islands is the monopoly of tfeis produce". Ap. GIBBINS, Op. cit., p. 148. Foi esta política asfixiante que determinou em parte a insurreição e a independência dos Estados Unidos e a consequente mudança de orentação da metrópole em relação às outras colônias.




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individuais, floresceram o direito e a justiça. A quem deve a Inglaterra as suas instituições liberais? Porventura ao protestantismo? Não. Touxe-as do catolicismo. A Magna Carta61 e o Parlamento britânico (1268), os dois polos em torno dos quais gravita toda a sua vida jurídica, são isntituições da Inglaterra católica, são a última cristalização das leis que lhe deram os reis e barões católicos. Que fez a Reforma em nascendo? Tudo para destruí-las e aniquilá-las.

Causa horror estudar o regime de opressão e tirania implantados por ela, durante séculos, neste solo fecundo em que a Igreja cultivava a grande árvore da liberdade. Os reis "convertidos" ao protestantismo impuseram pela força a toda a nação um credo religioso que não era o nacional. De um dia para outro, os católicos que constituíam a quase totalidade da população viram-se na dolorosa alternativa de escolher entre a apostasia e o exílio ou a morte. Grande parte da nação foi assim posta tiranicamente fora da lei. O sangue dos mártires correu então em rios. Só nos últimos anos do reinado de ISABEL, foram executados 61 sacerdotes, 47 leigo e 2 nobres. Não é fácil avaliar a cifra dos imolados à sede sanguinária da raínha "virgem! "Digo na minha história, escreve JOAN MILNER, que no tempo de Isabel foram sacrificadas 200 pessoas pela fé. Na realidade, porém, consegui os nomes de 204 postos à morte por este único motivo só nos últimos 20 anos do seu governo. Além disto, acho uma relação circunstanciada de 90 indivíduos católicos quase todos com os seus nomes, que sob o mesmo governo morreram no cárcere e mais 105 condenados a degredo perpétuo. Informa-nos escritor contemporâneo que 1.200 católicos, de um modo ou de outro, pereceram vítimas da perseguição antes de 1588, isto é, no período em que foi menos feroz".62
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61. A Magna Carta foi uma confirmação e extensão das leis promulgadfas por S. EDUARDO. Concedeu-a João sem Terra para honra de Deus e exaltação da S. Igreja e por conselho do primaz de Cantuária e dos outros bispos do reino: "Per consilium venerabilium patrum nostrorum Stephani Catuariensis epicopi, totyius Angliae primatis et Santae Romanae Ecclesiae Cardinalis, Henrici Dublinenses epicopi, Petri Wintoniensis, Jocelinii Bathonienses et Glston Hugonis Lincolnensis, Valteri Vigornenses, Willielmi Conventrenses, Benedcti Roffensis, Episcoporum, et magistri Pandulphi domini Papae familaris...", etc. http://oll.libertyfund.org/?option=com_staticxt&staticfile=show.php%3Ftitle=338&chapter=48748&layout=html&Itemid=27



62. "Em geral os tribunais não interrogam testemunhas. Por meio de perguntas astutas e capciosas procuram extorquir do réu a confissão de haver voltado à religião católica, de haver acolhido em casa um sacerdote, de haver recebido no continente ordens sacras, ou, pior ainda, de haver reconhecido a supremaria do Papa. Bastava um destes delitos para ser arrastado ao patíbulo. Bastava também mudar de religião para evitar a pena capital. Todos, porém rejeitavam a oferta com desdém. À acusação seguia-se a execução e a vítima com poucas exceções, era estrangulada no completo uso de suas faculdades". LINGARD, History of England(4), London, 1838, t. IV, C. iv, c. 6. p. 295.


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E não foi só ISABEL a oprimir. O arsenal das leis montado pelos reis da Inglaterra contra os católicos é formidável. Para perseguir a capricho, o magistrado sectário não tinha senão a dificuldade da escolha. Eis em ordem cronológica, algumas desta leis promulgadas no curso de quase dois séculos:


1563: contra quem recusasse prestar o juramento que reconhecia a supremacia espiritual da raínha, pena de confiscação de bens na primeira vez, de morte em caso de reincidência;

1581: pena de morte ao sacerdote que ousasse ouvir confissão; multa de 20 esterlinas a quem não assistisse aos ritos anglicanos;

1585: confiscação de bens e penas de morte contra todo o sacerdote, jesuíta ou seminarista que ousasse permanecer ou entrar em território inglês; mesma pena contra quem ousasse hospedá-los ou protegê-los;

1587: perda de 2/3 das próprias rendas contra quem recusasse frequentar a igreja anglicana;

1670: autorização concedida aos juízes de paz de penetrar à noite, em casa onde se reunissem assembléias religiosas diversas das da igreja anglicana e punir com enormes multas os assistentes;


1677: os católicos, ainda nobres, privados de voto no parlamento;

1688: um bill deste ano, renovado em 1701 exclui do território inglês todos os católicos e as suas consortes;

1700: prêmio de mil esterlinas a quem prendesse sacerdote ou bispo católico, ou provasse que ele havia celebrado missa;

1736-1757: quem recusasse prestar o juramento que reconhecia a supremaia espiritual do soberano, era posto fora da lei, não podia invocar-lhe a proteção, nem, ser tutor dos próprios filhos, executor ou adminsitrador de testamentos, nem legatário ou donatário de qualquer benefício;

1805: dispõe o Parlamento que um rei inglês que passasse ao catolicismo, fique ipso facto, privado da coroa;63
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63. Disposição análoga encontra-se em quase todos os "liberalíssimos" estados protestante. Na Suécia, a Constituição de 1809 exigia, para o rei e para todos os oficiais públicos, a confissão luterana. Esta disposição de direito público foi conservada na Constituição da Noruega de 1814. O mesmo se diga da Dinamarca e de muitos estado alemães.



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Aí está uma legislação que ninguém certamente chamará liberal.64

Nunca se conculcou com tanto cinismo a mais sagrada das liberdade do que sob o regime do tolerante e liberal protestantismo.65

Resumindo: durante o tempo do catolicismo, lançaram-se os verdadeiros fundamentos da liberdade inglesa. Nos séculos XIV e XV, FROISSAR e COOMINES descrevem-nos os ingleses como o povo mais livre e mais ativo da Europa. Quem o reconheceria nos tempos de ISABEL? O parlamento submetera os interesses mais sagrados, os direitos sacrossantos da consciência aos caprichos de uma mulher. A Igreja anglicana, humilhada aos pés do trono cuja soberania absoluta reconhecera, transformara-se na "serva obediente da monarquia, na mais pertinaz inimiga da liberdade pública".66 Foram tais as condições introduzidas pelo protestantismo, que, no dizer do mesmo historiador,67 se houveram durado por mais tempo, a Reforma, no ponto de vista político, teria sido a maior maldição que ainda pesou sobre a Inglaterra. MACAULEY não é o único protestante que assim o julga. O povo inglês, afirma MACGREGOR, caiu no mais profundo abismo de degradação política e civil a que é possível resvalar a energia física e moral da raça agro-saxônica.68

Os primeiros assomos da liberdade religiosa no império britânico começaram em meados do século XVIII, por iniciativa dos católicos na colônia norte-americana de Maryland. So o governo católico,
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64. Sobre as leis anticatólicas da Inglaterra, cfr. WATERWORT, A digest of the penal laws passed against catholics, Doman, London; Du mouvement religieux en Angleterre, par un catholique. A decadância da liberdade não se manifestou só na opressão da consciência religiosa. Apenas, com o reinado de EDUARDO VI, foi introduzido o Calvinismo, germinou ao seu lado a escravidão formal. A nova legislação, desumana e cruel, era de todo desconhecida nas tradições inglesas. Pessoas robustas mas ociosas (e para provar a ociosidade bastavam três dias sem trabalho), mendigos e vagabundos eram marcados no peito com ferro em brasa, reduzidos a escravos, alimentados a pão e água, encarcerados e sujeitos e trabalhos forçados. "A statute, characterised by a barbarous land ruthless severity, wholly unworthy of the legislation of any christian people" comenta PASHLEY, Pauperism and Poor laws, London, 1852, p. 180. Essas leis foram renovadas por Isabel. Até meninos de 14 e 15 anos, que pediam esmolas, eram estigmatizados com o ferro candente. Só em 1597 foi a estigmatização substituída pela flagelação até ao sangue ou pela condenação às galés.

65. "A história dos católicos, desde isabel até aos começos do século XIX cifra-se toda numa série de infortúnios causados pelo leis bárbaras e por perseguições sutentadas com tanta perseverança que, no anais do cirstianismo, não acham confronto senão nos primeiro séculos da Igreja, quando lutavam a religião da Cruz e o paganismo". CAPECELATRO, Newman e la religione catholica in Inglaterra. Desclée, 1886, Indtroduzione, p. 48. Os fatos confirmam evidentente o já citado juízo de DOELLINGER: "Historicamente, nada mais inexato do que afirmar que a Reforma foi um movimento para a liberdade de consciência. A verdade é precisamente o contrário!"... Kirche und Kerchnen, p. 68.

66. MACAULAY's Essays, Paris, 1843, p. 76.

67. Idem, p. 153.

68. MACGREGOR, History of the British empire, London, 1852, I., p. CCLXX.




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este pequeno estado prosperou por algum tempo em paz e tolerância mútua. Depois de uns vinte anos, porém, numerosos protestantes, pagos pelo governo da mãe-pátria, destruíram a ordem estabelecida e implantaram a religião oficial da Inglaterra, promulgando leis severas contra o exercício do catolicismo.69

Tal é o verdade histórica que ninguém hoje desconhece como outrora.

"Que precisamente os tempos católicos fossem na Inglaterra os tempos do desenvolvimento, da liberdade civil, que, pelo contrário, a Reforma introduziu a servidão, o absolutismo, a perda da autonomia jurídica, não o sabia outrora um entre mil ingleses, e os que o sabiam, guardavam-se de o dizer".70


Passemos ao último coeficiente da expansão econômica da Inglaterra: as condições geográficas e geológicas do solo. A situação insular no norte do Atlântico, preservou-a das devastações e de inúmeras guerras que ensanguentaram e assolaram as nações continentais; assegurou-lhe uma posição invejável no intercâmbio comercial com a América; dispensou-a de manter um exército permanente e numeroso, que em outras terras defrauda tantas forças vivas ao trabalho produtor. Além disto, as riquezes mineralógicas de ferro e carvão - nervos da indústria moderna depois das descobertas das máquinas de vapor e das suas inumeráveis aplicações - colocaram-na também numa situação privilegiada em relação a muitos outros povos não menos ativos e industriosos, porém menos felizes na partilha das riquezas naturais. A substituição crescente da hulha branca alterará talvez, num futuro não remoto, o equilíbio industrial moderno em benefício de outras regiões.71
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69. Cfr. MACMAHON's Hist. view of th government of Maryland, Baltimore, 1831, p. 198-250; BANCROFT, History of the Unitd States, Boston, 1834. - "In Maryland, escreve um teólogo protestante, as the Roman Catholics claim, the rights of conscience were first fully recognised in this country. This is a fact. I never know disputed by good authority, and though a Protestant with all my heart, I accord them the full praise of it with the frankest sincerity". THOMAS COIT, Puritanisme or a Chrchman's defence, New-York, 1855. Ct. por DOELLINGER, Kirche und Kirchen, pp. 72-3.

70. MANNING, The Vatican decrees in threier bearing on civil alligiance byHenry Edward, Achbishop of Westminster, London, Longmans, 1876, pp.l 91. ss.

71. É difícil exagerar a importância da hulha para o desenvolvimento econômico dum país. Diretamente dela depende quase toda a nossa indústria; indiretamente, mediante a indústria e os meios de transporte - ; indiretamente, mediante a indústria e os meios de transporte - linhas de navegação e estradas de ferro - o comércio e a agricultura. Pode afirmar-se, sem perigo de erro, que no estado atual das aplicações científicas à utilização das forças naturais, o progresso material de um país é função de suas jazidas caboníferas. Ora, por uma singular coincidência, que nenhum apologista da Reforma ousará, creio eu, atribuir à influência dos princípio religiosos de LUTERO, os países protestantes são os mais ricos em carvão fóssil. Aí está uma estatística da extração total do precioso combustível (1902) em diversos países:

Estados Unidos........... 266 milhões de ton. - França.....................31 milhões de ton.
Inglaterra....................230 milhões de ton. - Bélgica.....................22 milhões de ton.
Alemanha....................150 milhões de ton. - Rússia......................16 milhões de ton.
Áustria.......................... 33 milhões de ton. - Espanha.................. 2,7 milhões de ton.

Dos países ricos em hulha só a Bélgica é católica. Quereis ver o seu progresso econômico: Eis uma estatística do aumento da exportação (1906):

Alemanha.................. 16% Estados - Unidos.............21%
Inglaterra.................. 18% Bélgica..............................27%

Se o catolicismo fosse causa fatal de decadência, que exergese dar à maravilhosa prosperidade do reino de Alberto I? - Esta só consideração, tão óbvia, da distribuição geológica da hulha resolve em grande parte, e satisfatoriamente, a objeção tirada do desenvolvimento econômico e industrial dos povos protestantes. Cfr. LEMOZIN, Questions actuelles, t. 95.





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Mas não há por que nos determos em considerações desta ordem. Pretenderá, porventura, o protestantismo quinhoar alguma parte na distribuição gratuita destes tesouros naturais? Não construamos apologias cristãs com a hulha negra ou com a hulha branca.

De quanto levamos dito, concluirá todo o leitor sensato com o Cardeal VAUCHAN que "a Inglaterra atingiu os cimos da sua grandeza, não porque lançou o brado: ao inferno os papas; senão porque teve nas mãos todos os trunfos". O edifício de sua grandeza não o contruiu o protestantismo; o protestantismo não o salvará do desmoronamento se ele vier um dia a desabar, como vaticinam alguns economistas e políticos com priligégio de videntes. Católica, a Inglaterra teria sido igualmente grande, igualmente forte, igualmente poderosa, e, sem dúvida nenhuma, muito mais feliz.

Sim, mais feliz, porque a Inglaterra de nossos dias é um povo forte mas não é um povo feliz. Sob as aparências brilhantes de uma prosperidade externa, reina, em larga escala, a dor, a miséria, a imoralidade. O catolicismo a teria preservado dos dois grandes flagelos que lhe pesam sobre a vida social como uma maldição horrível: o trabalho das crianças e o pauperismo.

Quando os chefes da indústria se queixavam do aumento dos impostos, um estadista inglês pronunciou esta palavra sinistra: "lançai mão dos meninos". E estes serezinhos cândidos, frágeis e delicados foram atirados ao ar infecto e corruptor dos grandes ambientes industriais - flores que se estiolam sob o bafo abrasador das fornalhas, vítimas inocentes sacrificadas ao ídolo Moloch do 
capitalismo insaciável. Que espetáculo desumano! Contemplai estas louras criancinhas de 7, 9, 12 anos, quando mais precisam do calor das afeições domésticas, a entrarem em legiões para as oficinas, a trabalharem, 





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aqui 12, ali 16 horas por dia. Vede-as ao sair:pálidas, anêmicas, definhadas e abatidas pela fome, a procurarem no leito comum de uma trapeira o esquecimento embrutecedor das mágoas da vida, que tão cedo lhes amanheceu com o seu cortejo de dores e misérias. Desmaiaram-lhes nas faces as rosas da saúde. Apagou-se-lhes dos olhos o brilho da inocência. Já lhes não ilumina a fronte a luz do ideal.

Eis uma menina de onze anos. Nunca na sua vida ouvira uma palavra do céu e da outra vida. Um meninozinho perguntado quem era Jesus Cristo, responde: um rei de Londres, antigo, antigo.72Que hão de ser um dia, adultas, as gerações que crescem assim?73

E o pauperismo? São multidões os miseráveis que vivem na Inglaterra sem pão, sem casa, sem esperança. Dois milhões, acusavam as estatísticas de 1840, dois milhões repetem lugubremente as estatísticas de 1910. O flagelo não diminui.74

"Em um século, de 1748 a 1848, a população da Inglaterra quase triplicou; neste mesmo tempo, o pauperismo oficialmente reconhecido cresceu na razão de 1 para 8".75

Tomai Londres. Em meados do século passado, distribuiu-se a esmola oficial a 307.000 indigentes, quase tantos, observa PASHLEY, quantos eram os romanos alimentados pela pátria sob JÚLÇIO CÉSAR, segundo o testemunho de de SUETÔNIO ee de DIÔNIO CÁSSIO. Os subsídios das corporações paroquiais de das pessoas particulares distruem-se a um número duplo de pobre, de modo que Londres conta atualmente um pobre por quatro
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72. Fatos dolorosos como este, poderá o leitor colhê-los em barda nas informações oficiais dos ministérios ingleses e nos inquéritos sociais que revelam os sintomas assustadores desta crise de raça, deste atentando aviltante contra a dignidade humana.

73. "It may be noticed that the practice of setting children prematurely to work... prevailed in th seventeenth century to an extent which, when compared with the extent of manufacturintg system, seems almost incredible. At Norwich, th chief seat of the clothing trade, a litle crature of six yars old was thought fit for labour". MACAULAY, The history of England, Leipzig, 1849, t. I. p. 412.

74. Notwithtanding our assumed moral and material progress and notwithstanding the enormous annual expenditure amounting the nearly sixty millions a year upon poor relief, we still have a vaste army of persons quartered upon as unable to support themselves, an army which in numbers has really shown signs of increase than of decrease"; Relação dos comissários régios sobre a administração das leis dos pobres, de 1909, cit. por HAVELOCK ELLIS, The problem of Race Regeneration, 1911, pg. 32l. Sobre a situação do pauperismo em Londres cfr.: O Times de 26 de dez. de 1904: dados estatísticos numerosos e conclusões alarmantes; J. E. NLÈVE, Le paupérisme à Londres, nas Questions actuelles, t. 77 (11 mars 1905), pp. 313-318.

75. ROBERTO PASHLEY, Pauperism and Poor Laws, London, 1852.




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habitantes e oficialmente um por oito.76 Lede ainda a relação publicada pelo ministério do Interior em 1891: 30 mortos de fome num só ano.77 Ouvi a afirmação dos oficiais do London Comity Council que numa noite, percorrendo os quarteirões da grande cidade, recolheram 1797 infelizes que não tinham o agasalho de um telheiro. A polícia arrebanha estes miseráveis, entulha-os nas Work-houses mal arejadas e aí os deixa a respirar uma atmosfera física e moralmente corrupta, a aviltar-se nas mais baixas ingomínias da degradação humana!





Nem se cuide ser este um mal particular de Londres. É uma endemia nacional que grassa com igual intensidade nas cidades e nos campos, nas grandes colmeias industriais das aglomeraçãoes urbanas como nas populações esparsas dos condados agrícolas. Na Escócia, um terço das famílias não tem para morada mais que um só quarto, e dois terços apenas dois.78 E que míseras celas! A maior parte nunca é visitada pelos raios do sol. Ainda há pouco, mais de 700.000 casas na Inglaterra foram declaradas insalubres. "Milhares de seres humanos, diz o cardeal VAUGHAN, vivem alojados em piores condições, que o gado e os cavalos de muitos Lords e cavaleiros".79



É horrível a extensão do flagelo mas é ainda mais pavorosa a sua intensidade. O "pobre" na Inglaterra é uma expressão lacônica para designar o ínfimo grau da miséria e da abjeção humana. Os que designamos com este nome nas nações latinas são remediados, são abastados em comparação destes desditosos. Contemplai os
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76. Os relatórios do governo nem sempre representam a cifra exata, porque, como ainda observa PASHLEY, só levam em conta o número dos pobres registrados nos livros oficiais em duas épocas do ano, 1 de janeiro e 1 de julho. Servindo-se de outras informações e baseado em outros cálculos, chega o mesmo autor à conclusão de que, nos últimos dez anos, (a obra de Pashley é de 1852) o número real dos indigentes é três vezes maior do que resulta dos indicados como socorridos (chargeables) num determinado dia.

77. Conta a história que um dia foi dito ao Papa GREGÓRIO I que em Roma morrera de fome um pobre. O grande pontífice verteu lágrimas de compaixão e por três dias fechou-se no seus aposentos, dolorido e como que envergonhado de aparecer diante do povo.

78. Lembre-se aqui o leitor dos róseos idílios do Sr. N. Roussel é do Sr. C. Pereira e compare-os com os negros desta realidade horrorosa.

79. O regime das nossas Work-house, dizia o Times em 1862, é tal que nelas nãpo quiséramos pôr oos nossos cães. - Sobre a multidão dos pobres, MACULAY dá esses números aproximativos: "At presente the men, women and children who receive relidf appear from the official returns to be in bad years one tent of th inhabitants of England, and in good years one thirtheentyh. Gregory King estimated them in this time at more than a fifth". The Hsitory of England, Leipzig, 1849, I. 414. E, em nota, na pág. seguinte: "King and Davenant estimate the paupers and beggars in 1696, at the incredible number of 1.330.000 out of a population of 5.500.000. In 846 the number of persons who received relief appear from th official returns to have been only 1.332.089 out of a population of about 17.000.000".





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quadros hediondos da desgraça humana esboçados por testemunhas que viram e se horrorizaram: "Em meio a uma destas vielas fétidas, donde de ouve o rolar dos carros e o tropel dos cavalos, desci por oito ou dez degraus a um subterrâneo onde contemplei com meus olhos quanto segue: trinta ou quarenta criaturas, homens, mulheres, crianças, jovens e moças dormem juntos confusamente em aposentos tão grandes como caixões de dez pés quadrados; os molambos que os cobrem de dia são à noite atirados às cordas estendidas sobre as camas de palha desse rebanho, de modo que os corpos, protegidos por inúteis cobertas esfarrapadas, aparecem em sua quase nudez como uma exposição de carne humana. No meio deste amontoamento que permite apenas pôr os pés no solo, mal se distinguem grupos que parecem indicar a existência de famílias; asquerosas crianças serpeiam entre um homem e uma mulher; pés e braços, cabeças e troncos se entrançam em tramas indescritíveis. Não exagero, não, repito-o, digo apenas o que vi".80 Nestas condições de existência, toda a gente compreenderá a que profundidades de embrutecimento e corrupção há de necessariamente descer a moralidade e a dignidade humana.

Estes seres abjetos em que a miséria apagou os últimos vestígios da majestade de nossa natureza, não resta senão a degradação da ignorância, o aturdimento do vício, o torpor estúpido da embriaguez. "Chamamos degradação, diz, entre outros, o relator CLAY, capelão em Preston de um prisão de menores, o estado de um indivíduo que não pode murmurar uma prece, não sabe o nome do rei nem conhece o mês do ano. Sobre 3.000 jovens, encontrei 1.588 nesta extrema ignorância; 1.290 meninos e 293 meninas são de todo incapazes de receber uma educação moral e religiosa; falar-lhes de vício e de virtude é falar-lhes uma linguagem desconhecida". "Em 1.580, diz ainda o nosso relator, sobre 1.636 presos, 674 não sabia ler, 646 ignoravam o nome do Salvador e não sabiam uma palavra de oração, 111 não podiam recitar em ordem os meses do ano, mas 713 sabiam perfeitamente as aventuras dos ladrões Turpin e Jayme
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80. EUGÊNIO RENDU no seu Rapport à l'empereur sub l'instruction primaire à Londres, 1852. LÉON FAUCHER: "Na paróquia de Saint-George (Hanover Square) um inquérito dirigido por Lord Sandon, descobriu que 929 famílias não têm para habitação mais que um quarto para cada uma e em 623 casos a família se achava reduzida a uma cama um quarto para cada uma e em 623 casos a família se achava reduzida a uma cama. O médico do quarteirão, M. Toynbee, cita o exemplo de uma família de 5 pessoas na qual uma cama só reunia pai e mãe, ambos de 50 anos, um filho de 20 anos, doente do peito, uma filha de 17, escrofulosa e ainda um menino mais novo". Etudes sur l'Angleterre, Paris, 1856, I, 22. Poupamos ao leitor os horrores de cenas semelhantes que facilmente se poderiam descrever respigando citações em relatórios, in´queritos, etc. ...





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Sheppard e os admiravam como amigos dos pobres, dizendo que se eles haviam roubado, não haviam roubado senão dos ricos em favor pobres"81 Em Glasgoow, dez mil indivíduos embriagam-se no sábado à tarde logo após a paga, e, embrigados ficam no domingo, na segunda e às vezes na terça-feira. Nesta mesma cidade prendem-se 20.000 mulheres ébrias a ponto de se não poderem ter em pé. Em Edimburgo, cidade puritana, criaram-se vastos estabelecimentos onde em larga escala se põe em prática a arte de perder a razão por um penny". 82



Aos recursos do trabalho acrecentam as mulheres o da venda infame dos seus corpos desonrados. Em Londres há para mais de 100.000 destas infelizes. Mas de moralidade nos países protestantes voltaremos a falar em outro lugar.



O pauperismo na Ingalterra acabou por aviltar a natureza nas classes inferiores: "Certamente, conclui RENDU, o sentimento da dignidade humana não existe, nem em germe, nos antros da capital do Reino Unido". Neste abismo de depravação, o homem embrutecido já não tem brio nem para revoltar-se!



Quais as causas deste terrível flagelo? Os economistas apontam várias, oriundas das condições das moderna vida social: introdução dos grandes maquinismos na indústria,83 repartição desigual do solo, acumulando em poucas mãos imensos latifúndios, distribuição do capital que permite aos proxenetas milionários a exploração opressora do proletariado, a própria legislação inglesa destinada a reprimir o pauperismo, obra de Henrique VIII, Eduardo VI, Isabel, etc... Não negamos a influência de todos estes fatores.

Contestamos, porém, a sua suficiência para explicar tão desastrosos resultados. As mesmas causas atuaram em outros países e em nenhum deles produziram o pauperismo em tão larga escala. "Há sem dúvida mais miséria, mais sofrimento nos nossos pobres em
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81. Cit. por AUG. NICOLAS, Du protestantisme et de toutes les hérésies, etc., I. II, c. 5. Cartas de Agostinho Cochin ao autor, no fim da mesma obra. Outra testemunha: "Parmi 14.000 Maîtres et maîtresss en 1857, il n'y en avait pas moins de 708 qui étaient obligés de signer par une croix. Dans les ragged-schools de Londres, em 1853 le révérend M. Clay trouvait sur 3.000 enfants, 1.588 garçons et filles qui ne connaissaient même pas la nem de Dieu. Le rapport de sir John Pakington au Parlament en 1855 atteste que des milliers d'indifidus n'ont aucune notionb de vice e de vertu, et même que dans une année, en une seule prison il s'est trouvé 1.300 personnes qui ignoraient qu'il y eut des mois dans l'année et des divions du temps". Feuilles histoirques de Munich, janvier, 1856.

82. MOIGNO, Splandeurs de la foi (4), Paris, 1888, t. IV, P. 694.

83. Uma fábrica, disse um Lord ilustre, é uma invenção para manufaturar dois produtos: algodão e pobres: a contrivance for manufacturing two articles: cotton and paupers.





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Inglaterra que em nenhum outro país do mundo".84 É humilhante confessar que a população da Grã-Bretanha apresenta uma proporção de idiotas superior à de qualquer outro país na Europa".85 Há, pois, outra causa que convém investigar. Num estudo original sobre este assunto, AGOSTINHO COCHIN chega à seguinte conclusão: "Dado o mesmo grau de pauperismo e as mesmas forças para combatê-lo, o protestantismo produz um efeito incomparavelmente menor que o catolicismo, e esta diferença não se explica senão pela inferioridade dos meios morais de que dispõe o protestantimo".86



Eis a verdadeira chave deste mistério de degração no seio da civilização britânica. Em nenhum outro país a administração pública tem se preocupado com a questão da pobreza como na Inglaterra. A verba de subvenção aos pobres absorve nos orçamentos anuais milhões e milhões de esterlinas.


O "imposto do pobre" pesa sobre toda a população. O arsenal de leis é o mais complicado que se conhece.87 Mas tudo isto é caridade legal, que não moraliza nem alivia o pobre, onde falta a caridade-virtude cristã. "A mesma abundância destas leis não prova grande abundância de virtude. Quando a lei tão de perto toca a ordem moral é para impor a virtude, que a religião já não sabe inspirar. A lei exterior vem assim em auxílio da lei interior que desfalece".88 O inglês dá dinheiro e recusa a sua pessoa, abre a bolsa e fecha o coração. A Inglaterra vota milhões para alimentar o pobre, mas não o moraliza; teme-o como um flagelo, não o ama como irmão. Às suas obras e instituições não soube o protestantismo inspirar o sopro da caridade divina do Cristo. Infeliz igreja anglicana! Perdeste o segredo do amor evangélico ao pobre. Teus pastores já não têm o acento de BOSSUET que ensinava à corte de Luís XIV a eminente dignidade do pobre na Igreja, os seus direitos e as suas prerrogativas.89 O estado coroou-te raínha, mas o cisma que te separou do tronco onde circula a seíva vital do cristianismo, fez-te estéril.
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84. SIDNEY SMITH, cit por CHAS. LESTER, The glory and shame of England, 1876, Prefácio.

85. The Daily News, 16 Out. 1888.

86. Publicado em apêndice à obra de AUG. NICOLAS, Du protestatisme, etc.

87. Em 1842, Lumely, depois de advertir que recolhe apenas as leis mais importantes e ainda em vigor, cita nada menos de 117, a começar dos célebres estatutos de Isabel. Dez anos depois, em 1852 pulicava um segundo volume de suplemento. De então para cá não tem diminuído nesta matéria a fecundidade legislativa do parlamento inglês.

88. AG. COCHIN, loc. cit. A Inglaterra esqueceu que "charity to soul is the soul of charity".

89. Sermão para a dominga da Septuagésima, ed. Vives. t. VIII.





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Uma profunda lição de filosofia social desprende-se das rápidas considerações que vimos fazendo. A Pobreza não desaparecerá nunca da face da terra. Ricos e pobres haverá sempre. A grande questão social, o grande problema da civilização cifra-se nas relações harmoniosas entre as duas grandes classes da sociedade, entra a abundância do capital e a penúria do trabalho. Deste grande problema só existem duas soluções: a pagã e a cristã. Ou a justiça e a caridade alimentadas pelo sopro sobrenatural da religião regulam as relações sociais, e estabelece-se o equilíbrio divino do cristianismo; ou a riqueza, opressora como a força e insensível como o egoísmo, reduz os 4/5 da humanidade do paganismo de que Roma e Atenas, com os seus milhares de ilotas e escravos bestializados, nos oferecem, na história, os mais tristes espécimes. Por mais de um aspecto assemelha-se a moderna civilização inglesa à dos antigos romanos. O paganismo nasce no seu solo onde o cristianismo definha. Porque o protestantismo, adulterando os divinos ensinamentos do Evangelho, já não é cristianismo; mirrou-lhe a eficácia divina, estancou-lhe as fontes sobrenaturais que regeneram as sociedades.


Sim! Se a verdadeira prosperidade de um povo consiste, não na acumulação de grandes riquezas, mas na sua justa distribuição, nada têm as nações católicas que invejar os esplendores externos da grandeza econômica da Inglaterra.90 Se lhes faltam os Rotschilds
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90. Já vimos como a propriedade é distribuída na católica Bélgica. Na Inglaterra a concentração das terras nas mãos de poucos senhores tem seguido uma proporção pasmoaamente crescente. Em 1770 o solo dos três reinos era dividido entre 250.000 proprietários; em 1851 possuiam-no apenas 31.315 pessoas. Por esta época, LORD STANLEY revelava num dicurso na Câmara dos Lordes (4 de abril de 1845) o perigo desta acumulação do capital: "O perigo para um grande país como o nosso é, em nossos dias, a acumulação da propriedade unida à extrema desigualdade com que é repartida". "Numa sociedade assim, como bem advertiu LÉON FAUCHER, a impotência é a sorte das classes inferiores, a onipotênica o apanágio das superiores. O povo como povo fica reduzido a uma incapacidade política radical e absoluta. Daí o descontentamento geral, as tentivas de revolta. A agitação em baixo, a inquietude em cima, tal é o presente estado da Grã-Bretanha". LÉON FAUCHER. Etudes sur l'Angleterre, Paris, 1856, II, 105. A citação de Lord Stanley se acha na p. 100.




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que enfeixam nas suas mãos as riquezas de muitos estado, os seus filhos vivem em maior abastança, em amior alegria, em maior felicidade. É só na reintegração completa dos valores espirituais do catolicismo encontrará a grande Inglaterra o segredo de sua felicidade perdida, só então tornará a ser a Ingaterra jovial, merry England.



Estado Unidos. - Atribuir a magnificência da civilização norte-americana ao influxo protestante é querer servir, com a obstinação do ridículo, aos preconceitos de uma tese partidária, tão óbvias, tão evidentes são as causas naturais que determinaram a expansão econômica e indusstrial da grande República.

Depois de quanto dissemos acerca da Inglaterra não há por que nos determos em repetir aqui considerações análogas. Os Estados-Unidos receberam da metrópole que os colonizou uma raça forte, ativa e empreendedora. O bem posto da sua situação geográfica, a uberdade dos seus campos, a riqueza dos seus depósitos mineralógicos, - assento natural de um grande povo - ofereceram aos novos colonos as matérias-primas de que se formam as grandes coletividades no mundo econômico e político. Para elaborá-las e utilizá-las só se queriam braços e capital. Atraiu-os as amenidades do clima, apressou-lhe a veiculação a facilidade de relações com o velho continente. As ondas de emigrantes ávidos de trabalho e de lucro, precipitando-se sobre a jovem república, foram versar-lhe nas veias o sangue generoso que infundiu a vida e robusteceu os músculos do grande gigante.

Esquecer o influxo de todos estes fatores naturais tão evidentes e tão à flor da terra, para buscar nas diferenças dos credos religiosos a razão da inferioridade material da América latina, é raciocinar com cérebro de criança. Semelhantes puerilidades não se discutem, desprezam-se.



E senão apontem-me em particular a influência taumaturga do protestantismo na grandeza norte-americana. Assinalem-me por miúdo as doutrinas reformistas, os fatos, reais e determinados, em que se concretizou a sua ação civilizadora. Subtraiam-se da sua




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imensa população os quase 25 milhões de católicos, que tão importante e glorioso papel têm desempenhado na política, na administração, no ensino universitário da grande República,91 deduzam-me ainda estes milhões inumeráveis, de indivíduos que absorvidos pela sede do outro, materilizados pelos trabalhos da indústria moderna, vivem como máquinas a mover máquinas, sem religião, sem ideal, sem aspirações celestes, e, indiquem-me, depois deste trabalho de decantação, no precipitado heterogêneo de protestantes importados da Inglaterra, da Alemanha, da Escandinávia, divididos em centenas de seitas e igrejinmhas rivais, sem unidade de fé, sem unidade de moral, sem unidade de governo, a dooutrina comum, a atividade comum em que se encontra, secreto e abscândito, o talismã da prosperidade dos povos.

Uma influênica, sim, exerceu o protestantismo, mas influência negativa como o seu sistema, deletérea como as suas consequências. O protestantismo não cobriu os défices desta grande civilização, não acendeu a luz de suglimes ideais nessa multidão de tragbalhadores sequiosos de bens terrenos. Todas as almas nobres que ainda de todo se não metalizaram no culto de Momona, mas conservam viva a chama do ideal, deplora o mercantilismo ianque.92 Na América do Norte não se pergunta se um homem é honesto, mas se é hábil, isto é, se sabe ganhar dinheiro. A bitola da respeitabilidade é o dólar. Defeito doloroso e de gravíssimas consequências para moralidade nacional. Que os princípios da Reforma tenham concorrido em algum modo para a formação desta nota psicológica característica do norte-americano é o de que não é lícito duvidar. O protestantismo, acanhando os horizontes celestes, aumentou as preocupações terrenas. Por toda a parte, cedo ou tarde, o mateiralismo prático há de nascer-lhe dos flancos.

Não poderíamos pôr fecho mais feliz a estas consideração sobre a marcha ascendente das nações protestantes do que trasladando
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91. Citemos apenas um fato. Sob os auspícios diretos de ROOSEVELT, realizou-se em Washington, em 25 e 26 de janeiro de 1906, um grande congresso para tratar da proteção à infância. Aos organizadores do congresso, que lhe apresentaram a lista dos temas e os nomes dos que deveriam tomar parte nas diferentes comissões, disse o presente: "Nas vossas listas não vejo nenhum católico. Onde está Tom Mulry de New-York? Ninguém melhor do que ele entende deste assunto. Se chamais os católicos para o congresso eu serei fiador das vossas resoluções; se não, não".

92. "Nulle part, en pays chrétien, la domination de l'argent n'a été aussi éhontée et aussi tyrannique". A LEROY-BEAULIEU, le lRègne de l'argent , na Revue des deux Mondes, t. 108 (15 abril, 1891), p. 130.





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para aqui uma página de BOUGAUD, síntese de quanto deixamos até aqui expedido:

A grandeza das nações protestantes "foi preparada pela Igreja. Inglaterra foi católica por mil anos, não é protestante senão há três séculos.

"Foi durante estes mil anos que ela se formou, que adquiriu as qualidades raras e altivas que a fazem grande, as suas preciosas instituições, seu júri, suas universidades, as liberdades políticas que a protegem e ainda hoje conservam. Os mais populares dentre os seus reis, Alfredo, Eduardo o confessor, Ricardo Coração de Leão, Eduardo II, Henrique II, Henrique V são reis católicos. Seus mais belos manumentos, catedrais, igrejas, escolas e castelos que ela com tão piedoso respeito conserva e restaura, são obra das gerações católicas. Os próprios nomes de seus colégios: Colégio de S. Madalena, de São João, de S. Albano, de S. Eduardo, do Corpus Christi em Oxford, do Corpus Christi em Cambridge, d'All souls ou das almas do Purgatório, etc., atestam a sua antiga fé. Acrescentamos que nenhuma raça produziu mais santos; pelo espetáculo de sua fecundidade sobrenatural ela obrigou o mundo de denominá-la ilha dos santos, prova de quão profundamente durante mil anos fora afeiçoada e formada pela Igreja católica. Entre tantas coisas que constituem a sua glória e a sua força, procurai uma que seja protestante, exclusivamente protestante: não a encontrareis. Quanto nela há de grande, de liberal, de nobre lhe adveio da Igreja. Outro tanto se devera dizer do Estado Unidos que, com as necessárias modificações, são um prolongamento da Inglaterra.

"Quanto à Alemanha não foi menos profundo o cunho que lhe imprimiu a Igreja católica. A Prússia era um feudo da ordem teutônica. Bispos eram quase todos os seus senhores; sob o seu báculo vivia-se bem, como diz um velho provérbio do Reno. E se o gênio destas raças germânicas ficou ainda rude, porque a Igreja não pode ultimar a sua missão, conserva contudo, na sua dureza nativa, um quer que é de elevado, de terno e de ideal que deve ao catolicismo. João Tauler, Henrique Suso, Eckart, Ruysborek, Otto de Passau comunicaram à língua alemã esse caráter profundo e misterioso, cujo desenvolvimento foi paralisado pela Reforma e ao mesmo tempo a aptidão a exprimir o abstrato de que tanto abusam os sofistas de nossos dias.

"Numa palavra, todas estas raças germânicas e anglo-saxônicas foram formadas, plasmadas durante mil anos pelo Igreja católica. Como não lhes havia de ficar coisa alguma do seio fecundo em que




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foram concebidas, como o homem que, renunciando aos trinta anos os princípio da infância e a religião da juventude, nem por isso deixa de dever o que tem de melhor à mulher cristã que lhe foi mãe e à educação que dela recebeu?

"Ninguém contestará esta primeira observação. Mas talvez se dirá que, se a grandeza das nações protestantes foi preparada pela Igreja, foi o o protestantismo que a completou, trazendo-lhe um novo e poderoso princípio de ascensão: a liberdade civil e política. É de fato o que alguns tentam afirmar. Mas a história protesta contra esta pretensão insustentável. A liberdade civil e política existia antes da Reforma e esta por toda a parte a oprimiu. Confessa-o GUIZOT em relação à Alemanha onde reconhece que o protestantismo antes favoreceu à escravidão que à liverdade civil.93 Idêntica demonstração deu-a DOELLINGER relativamente à Holanda, Suíça, Escócia, Suécia, Noruega e todos os países escandinavos, nos quais a heresia entravou a liberdade e exaltou o poder absoluto.94 Do mesmo modo pensa CHATEUBRIAND: Lançai o olhar, diz ele para o norte da Europa, para os países em que nasceu e se manteve a Reforma; por toda a parte, vereis a vontade única de um senhor: a Suécia, a Prússia, a Saxônia ficaram sob a monarquia absoluta, a Dinamarca tornou-se um despotismo legal. Nos países republicanos, o protestantismo facassou; nem Gênova, nem Veneza logrou ele conquistar. Na Suíça não vingou senão nos cantões aristocráticos análogos à sua natureza e só a preço de grande efusão de sangue. Os cantões populares e democráticos Schwitz, Uri e Underwald, berço da liberdade helvética, o rejeitaram. Na Inglaterra não foi o veículo da constituição formada muito antes do século XVI no seio da fé católica. Quando a Inglaterra se separou de Roma, já o parlamento havia julgado e deposto reis; os três poderes eram distintos; não se arrecadavam impostos nem se recrutavam exércitos senão com o consentimento dos lords e dos comuns; a monarquia representativa já havia sido achada e progredia; o tempo, a civilização, as luzes crescentes teriam acrescentado as molas que lhe faltavam, sob a influência do culto católico como sob o domínio do culto protestante"95 BALMES aprofundou este aspecto da questão que é o vedadeiro. Da época que precedeu a Reforma traçou-nos
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93. GUIZOT, Histoire de la civilization em France, lecon XX.

94. DOELLINGER, L'Eglise et les églises, c. III, p. 69.

95. CHATEAUBRIAND, Etudes historiques, François I.





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um quadro célebre, mostrando à evidência, que tudo estava preparado para a plena florescência da Europa cristã, no tríplice campo intelectual, moral e social. Bastava deixar correr o tempo para que todas as nações, com Inglaterra à frente, chegassem aos cimos da grandeza. Cimos que elas teriam atingido sob a influência do culto católico não tão bem, como diz CHATEUBRIAND, senão mil vezes melhor e mais rapidamente que sob o domínio do culto protestante. Este representa uma estagnação, uma trava de vários séculos. Eis o que demonstra ALMES e o seu capítulo leva por título: o progresso da civilização paralizado pelo protestantismo".97
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96. BALMES, El protestantismo comparado com el catolicismo, c. 45.

97. BOUGAUD, Le christianisme et les temps présents, t. IV (7), pp. 334-337.

BIBLIOGRAFIA: BALMES, El protestantismo comparado com el catolicismo, Barcelona, 1842-44 passim, principalmentge c. 45; A. BAUDRELLART, L'Eglise catholique, la Renaissance et le protestantisme(10), Paris, Bloud, 1908; BOUGAUD, Le Christianisme et les temps présents(7) t. IV,cc. 5-4; C. S. DEVAS, The Kay to the World's progress(2), lONDON, 1908; FALMÉRION, De la prospérité comparle des nations catholique et des Nations protestntes laux points de vue économique, moral, social, Paris, 1901; FOLLETÊTE, De la prétendue inférioté des nations catholique, na Revue de Friourg, 1904; GRAHAM, Prosperity catholic and protestant, London, 1912; G. TUTRLET, Lehrbuch der Apologetik, Münster i. W. 1899 III(2) pp.352-370; L. DE HAULLEVILLE, De l'avenir des peuples catholiques, 1876; M. LÉMOZIN, nas Questions actuelles, t. 95, (14 mais 1908); J. MAUSBACH, Relegion, Chrsitentum, Kerche, München, 1913, t. III, pp. 191-219;MOIGNO, Les splendeurs de la foi, t.IV (3), Paris, 1883; pp. 689-700;MURILLO, Las naciones latsinas en nuestros dias, na Razon y Fé, 1902, t.3, pp. 207-221; 425-0438; 6.4, pp. 24-42; NAUDET, La décadence des nations catholiques na Justice sociale, 13 mai, 1905; A. NICOLAS, Du protestantisme et de toutes les hérésies dans leur rapport avec le socialisme, 1. III. c. 5; H. LPESCH, Die sociale Befähigung der Kirche(3), Berlin, 1911, cc. 18-19, ppo. 504-581; ID.,Lehrbuch der Nationalökonemie, Freiburg, l. B., 1909, t. II, pp. 677-730; H. HOST, Die Kultuyrkraft des Katholizismus(3)Paderborn, 1919, pp. 317-374; WEIrych, Inferiorité économique des nations catholiques na Revue sociale de Louvain, mai 1899, pp. 214-219;juin, pp. 225-234; A. YOUG, Catholic and protestant coutries compared in civilisation, popular happiness, general inteligence and morality, New York, 1895 (não li esta obra); YVES DE LA BRIÈRE, Nations protestants et nations catholique, no Etudes, t. 104 (19050, PP. 225-242; 801-819; Mesmo artigo reporuzido nas Questions actuelles, t. 82 (23 septembre 19050, PP. 50-74; tirado à parte em opúsculo pela Maison de Bonne Presse; G. DE LAGARDE, Recherches sur l'esprit politique de la Reforme, Paris, 1926.