segunda-feira, 27 de setembro de 2010

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CONCLUSÃO




Está resolvido o problema religioso da América latina. Não procuramos uma incógnita. Aplicamos-lhe uma solução comprovada pelos resultados definitivamente adquiridos da indução histórica, da crítica religiosa e das teses firmes de uma filosofia sadia e robusta. Procedemos rigorosamente de acordo com os preceitos da metodologia científica. Nosso ponto de partida foram os fundamentos admitidos pelo adversário. Para quem crê na divindade de Cristo o problema, religioso do cristianismo põe-se nos termos seguintes: fundou Cristo uma sociedade orgânica hierárquica, visível, depositária dos seus ensinamentos, guarda infalível de suas doutrinas, representante de sua autoridade? Quais os caracteres que a inteligência investigadora do filósofo e do crente a contra distinguem com evidência dos grupos que se dizem cristãos e reivindicam para si a exclusividade dessa glória? Interrogamos a Escritura e a história, a razão e a tradição, o bom senso e a filosofia. A resposta, esclarecida pela convergência de todas essas luzes, já nos não pode ser duvidosa.

Negativamente, atestaram-nos todos estes critérios que o protestantismo não é o cristianismo puro é genuíno. Falsificação humana do Evangelho, adulteração criminosa da obra de Cristo, nascida no fermentar das paixões baixas em revolta, a Reforma luterana nas mil figuras cambiantes do seu incansável variar, não apresenta à crítica serena e imparcial nenhuma das gemas autênticas que Cristo engastou no diadema de sua Esposa.

Positivamente, afirmaram-nos as mesmas fontes de conhecimento que só a Igreja
Página Anteriorcatólica, presidida hoje como há vinte, séculos por Pedro, sempre vivo nos seus sucessores, é a cidade de Deus na terra,

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a Jerusalém divina, cujos muros abrigam os filhos da luz, os herdeiros da vida sobrenatural e co-herdeiros de Cristo.

Ela aí está firme sobre a rocha, que lhe deu por fundamento o divino Arquiteto. Contra os seus muros vinte vezes seculares quebraram-se todos os vagalhões levantados pelas tempestades do inferno.

Violência e sedução, sofisma e ironia, traição e desprezo, todas as forças do mal, separadas ou conjuradas, deram-lhe incessante combate no curso de dois mil anos, e os seus triunfos contam-se pelo número de batalhas. Aos filhos do século XX, inquietos e investigadores, torturados pela dúvida, ou embalados pelos sonhos de utopias falazes, ela repete, como às multidões romanas, abatidas pelo cepticismo e gastas pela corrupção, as palavras do Divino mestre: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Vinde a mim todos os que vergais sob o peso dos sofrimentos e eu vos aliviarei.

Ante este resultado do nosso exame não há lugar para hesitações criminosas. O problema religioso é antes de tudo um problema de consciência individual. Fora de qualquer consideração de ordem política ou econômica, só a verdade decide de sua solução. Só a verdade sinceramente buscada na transparência de sua lucidez, desinteressadamente amada na pureza de sua formosura, ardente e generosamente abraçada com todas as suas exigências de abnegação e sacrifício, pode intimar no santuário das almas a promulgação do dever religioso.

Mas a religião é também um dever social. Para as sociedades como para os indivíduos, o cristianismo é a chave da felicidade, é a solução do problema da existência, é uma questão da vida ou de morte.

Os povos modernos atravessam uma dessas crises em que se jogam os destinos do futuro. Só o catolicismo, guarda seguro dos princípios em que se funda a estabilidade das nações, fonte inexaurível das forças que impelem o carro do progresso humano, pode salvar a nossa civilização periclitante.

Não é para aqui traçar, ainda em rápido escorço, a gênese da presente questão social. Ninguém desconhece a influência poderosa dos fatores de ordem político-econômica: a expansão industrial, a introdução dos grandes maquinismos, o aumento da população, a concorrência dos mercados, etc. Ao jogo natural das leis econômicas se uniram as causas de ordem intelectual. A observação de LE PLAY tem a evidência de um axioma: "Ainsi qu'il est arrívé de tous

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les temps, pour toutes les races, notre décadence est due surtout la la propagation, de grandes erreurs",1 Por mais de dois séculos, os principais envenenados do materialismo sem coração e do racionalismo sem fé fermentaram nas massas populares, empalidecendo-lhes no espírito a luz do sobrenatural e afrouxando-lhe na consciência os vínculos do dever. Sob a ação dissolvente destes terríveis corrosivos, lenta mas progressivamente operou-se nas nossas sociedades o tríplice divórcio fatal: divórcio da Igreja, divórcio de Cristo, divórcio de Deus.

Pela natural repercussão dos erros filosóficos no domínio das relações internas da consciência com Deus, às causas econômicas e intelectuais da moderna questão social cumpre acrescentar os fatores de ordem moral e religiosa. A estes sobretudo - à obliteração dos grandes princípios religiosos e sociais do catolicismo nas consciências de governantes e governados, de capitalistas e proletários - é que se deve principalmente a agravação da crise que de decênio para decênio se foi acentuando até tomar as proporções de um cataclismo iminente. Construídos sem o cimento da caridade cristã os muros do edifício social ameaçam ruína. Na exaltação do individualismo imoderado, no egoísmo crescente e insaciável está a raiz do mal.

Primeiro responsável deste estado de coisas é o protestantismo. A Reforma foi o desencadeamento do individualismo na Europa. Contra a organização social da Igreja, corpo místico de Cristo, LUTERO levanta o individualismo de sua personalidade isolada. Ao magistério eclesiástico, autêntico e tradicional, opõe o livre exame do eu. À autoridade hierárquica preposta por Cristo à guarda da moral e dos costumes, substitui a autonomia do indivíduo no governo da vida. O egocentrismo é a chave que explica a gênese e a evolução espiritual do monge saxônio. Contra a Igreja católica, orgânica, hierárquica, social, o protestantismo arrolou sob os seus estandartes todos os egoísmos morais, todos os individualismos teológicos, todos os subjetivismos filosóficos.

O desenvolvimento posterior do pensamento acatólico, no campo filosófico, político, social, moral e religioso inspirou-se nos
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1. LE PLAY, L'organisation de la famille(3), Tours 1884, p. XVII. Aí mesmo cita LE PLAY a observação análoga de DE BONALD: "À commencer par l'Evangile, à finir par le Contrat social, toutes les institutions que ont changé en bien ou en mal l'état de la societé général n'ont eu d'autres causes que la manifestation de grandes vérítés ou la propagation de grandes erreurs". Théorie du Pouvoir, Paris, 1796, t. I, p . VII.

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princípios individualistas. Os frutos na ordem prática corresponderam aos germes semeados no campo especulativo. A sociedade desagregou-se. O que era organismo decompôs-se em átomos submetidos às leis mecânicas da gravidade. O eu soberbo e ambicioso tornou-se o centro de atração da vida, o princípio motor de toda a atividade.2

O socialismo tentou recentemente uma reação formidável contra o individualismo reinante. Mas, faltando-lhe um princípio de vida, e, portanto, de unidade, o seu esforço não podia vingar. A dignidade humana e a independência da personalidade foram sacrificadas num coletivismo inconsistente. No estado socialista os átomos dispersos não se reúnem num organismo vivo e harmônico; são forçados a entrar numa unidade social fictícia, semelhante à de um grande maquinismo humano. Formidável como arma de destruição, o socialismo tem se mostrado de uma impotência radical como força construtora.

Aos excessos do individualismo e às exagerações socialistas a Igreja opõe o conceito cristão da sociedade: organismo vivo, animado por um princípio unificador. Cada membro tem sua função, mas todos pertencem ao mesmo corpo. A multiplicidade de órgãos e a diversidade de funções não devem ser obstáculo à consecução do fim comum que é a felicidade geral. Os homens reunidos em grupos sociais não se devem opor como êmulos ou concorrentes, devem entre ajudar-se como irmãos. À exploração de uns pelos outros, à exploração dos fracos pelos fortes deve suceder a abnegação de um por todos, o sacrifício de concessões mútuas, para o bem-estar comum. A "struggle for life", que DARWIN erigiu em fórmula de coexistência dos seres inferiores e que outros estenderam às relações entre os indivíduos e os povos, é princípio de individualismo que separa, de violência que oprime, de guerra que desola. Voltamos a HOBBES: homo homini lupus. O amor, não a luta, é a base cristã do viver social, é o segredo da paz, da concórdia e do progresso: Homo, homini frater .

Eis o ideal proposto pelo catolicismo; ideal nobre e elevado, só capaz de resolver os grandes problemas sociais e assegurar a estabilidade das nações. A sua realização, porém, não é obra de
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2. Ingenuamente o Sr. G. PEREIRA faz suas as palavras de Pelletan : "A reforma desenvolveu o eu motor sagrado da máquina humana". - Quando o homem é reduzido a uma "máquina", cujo motor "sagrado" é o eu, que outro produto de sua atividade se poderá esperar senão o egoísmo? Para isso veio à terra Aquele que disse: Quem quiser ser meu discípulo renegue a si mesmo?

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economistas nem de políticos, de professores nem de jornalistas. A segurança do edifício social descansa sobre os alicerces da moralidade individual. Reformar os indivíduos é o primeiro passo para a reforma das sociedades. É aqui que a questão social entende mais intimamente com a questão moral e religiosa.

Depois de tantas experiências dolorosas, de tantas tentativas fracassadas, depois de análises psicológicas mais serenas e profundas, concordam hoje os grandes sociólogos em reconhecer este aspecto moral e religioso dos problemas econômicos e sociais. "Le probléme social, - íl vaut la peine de nous le persuader, - -est avant tout um probléme religieux, um problême moral. Ce n'est pas seulement comme l'imagine trop souvent le matéríalisme contemporain une questíon de gros sous ou... une question d'estomac, c'est tout autant et plus peut-être une question spirituelle, une question d'âme. La réforme sociale ne peut s'accomplir que par la reforme morale”.3 Assim em França LEROY-BEAULIEU. Na Inglaterra, faz-lhe eco o grande economista DEVAS: "Intra animum medendum est. A reforma deve ser interior. Sem ela nem os seguros operários nem as leis sobre fábricas, nem as escolas para adultos, nem os banhos ou bibliotecas, nem os longos descansos, nem o aumento de salários, nem a diminuição das horas de trabalho, nem as habitações econômicas e higiênicas, nem a divisão das grandes propriedades poderão promover a paz social".4 Na Itália, não fala diversamente TONIOLO: "Invano Ia azione esteriore torna ordinata e feconda giusta, i. dísegní della Provvidenza, senza che la preceda e accompagni constantemente la vita ínteriore, l'esercizio cioè delle vírtu intime nella quotidiana riforma di sè".5

Ora, qual é a grande instituição, a grande força moral capaz de empreender com êxito a reforma dos indivíduos e restituir-nos assim a paz social? Analisemos com serenidade.

Para a regeneração e verdadeiro progresso moral do homem havemos mister um ponto de apoio e uma força motriz. Um ponto de apoio: princípios firmes na inteligência a orientar com segurança
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3. A. LEROyY-BEAULlEU, La papauté, le socialisme et la démocratie, na Revue des Deux Mondes, 15 dez. 1891, p. 674. Cfr. F. BRUNETIÈRE, Après une visite au Vatican,na revista, 1 janv. 1895, p. 117.
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4. CH. ST. DEVAS, The key to the World's Progress (2), London, 1908, p. 45.

5. G. TONIOLO, Memorie religiose(2), Milano, 1920, p. 94.


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o rumo da vida. Uma força motriz: o amor eficaz e operoso que é fonte de abnegação e sacrifício.6

A primeira origem do mal está na inteligência que não conhece ou conhece mal.

As grandes certezas vitais obscurecidas pelos sofismas e pela propaganda sectária vacilam nas consciências desaparelhadas para as lutas do pensamento. Os desfalecimentos da vontade e os desvios da ação seguem espontaneamente as idéias falsas acerca de Deus, das criaturas, da orientação da existência e da significação do prazer criado. Desaparece a santidade quando a verdade se eclipsa. É mister re-entronizar a razão esclarecida pela fé no governo da vida. Aos espíritos torturados pela dúvida cumpre dar o alimento sólido da verdade. "Não me cansarei de repetir: o homem vale pelo que crê",7 escreveu DE MAISTRE. "Os dogmas formam os povos", encarece DE BONALD. Uma geração de cépticos nunca será uma geração de fortes.

Ora, que nos traz o protestantismo para restaurar a piedade teológica e robusta dos grandes séculos de fé? Um livro explicado pelo exame individual, isto é, o mais completo subjetivismo. A variabilidade doutrinal esteve sempre na ordem do dia entre os discípulos de LUTERO. Sem magistério infalível que o interprete, o Evangelho não passa de um nome glorioso a cobrir todos os desvarios da razão apaixonada.

Não é, pois, sobre a areia movediça das infinitas variações doutrinais de mil seitas efêmeras que o mundo moderno pode achar a paz das inteligências, princípio de coesão social. Sendo por sua origem, por sua natureza, por seus princípios uma força de divisão, o protestantismo não pode produzir bem algum na ordem intelectual, moral e religiosa.8
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6. "La condition essentielle de notre ordination sociale est la mise en accord de nos intelligence et de nos volontés, et que, à defaut d'unité spiritúelle en nous et entre nous, il n'y a pour nous aucune échappatoire à l'anarchie, au desordre, à la guerre ... Le probème foncier de notre ordre social humain se resout donc en définitive, en un probléme d'unité spirituelle". J. VIALATOUX, Le témoignage de la vie sociale, na Revue des jeunes, 25 janv. 1922. pp. 129.130.

7. J. DE 'MAISTRE, Lettre à M. de Stourdza.

8. Daí a esterilidade social do protestantismo. Seu "princípio essencial é um princípio dissolvente; daí o incessante variar, daí a dissolução e o aniquilamento. Como religião particular já não existe; não possui nenhum dogma próprio, nenhum distintivo real, nenhum governo, numa palavra, coisa nenhuma das que são necessárias para constituir um ser; é uma verdadeira negação. Quanto nele há que se possa dizer real não passa de vestígios e de ruínas, e tudo sem força, sem ação, sem espírito de vida. Não pode mostrar um edifício que tenha elevado com suas mãos; não se pode deter nas obras imensas entre, as quais se assenta o catolicismo e dizer: isto é meu. Ao protestantismo só é dado esconder-se entre horríveis ruínas; destas sim pode dizer com verdade: eu as amontoei!" BALMES, El protestantismo comparado com el catolicismo, c. XI.


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Hoje só a Igreja católica guarda, intangíveis, os grandes princípios vitais do cristianismo; só a Igreja católica possui a força sobrenatural de produzir nas almas esta solidez de convicções em que se temperam os grandes caracteres. "Ela é a única religião dogmática, que sabe o que é ter dogmas e quais as exigências que daí decorrem e só ela é capaz de satisfazer a essas exigências".9 Ora, se a paz, se a felicidade individual e social são incompatíveis com a dúvida que dilacera o espírito e com a desarmonia que separa as inteligências nas questões mais altas que se impõem ao pensamento, de seu se está que só o catolicismo possui o segredo da paz e da felicidade para os indivíduos e para os povos.

No seu aspecto social, de modo muito particular vale esta conclusão para o nosso Brasil. Não há talvez nação no mundo que mais precise estreitar os vínculos da unidade espiritual que a nossa. Imensa extensão de território, grande variedade de climas, população escassa e desigualmente distribuída, heterogeneidade étnica de imigração estrangeira que se repercutirá necessariamente numa heterogeneidade fisiológica e psicológica do nosso povo, larga autonomia dos estudos - todos estes fatores são ou podem ser princípios de divisão, elementos de discórdia, germes de desagregamento. Para conservar a unidade nacional cumpre apertar os laços espirituais dá família brasileira. A Providência que tão generosamente prodigalizou ao Brasil os dons de sua bondade assegurou-nos nas vicissitudes da nossa evolução histórica, a formação dos dois grandes fatores da unidade pátria:
a língua e a religião. Os poderes públicos podem introduzir os liames exteriores que facilitam a livre comunhão da nacionalidade soberana: unidade constitucional e administrativa, unidade de moedas, de pesos e de medidas. Mas as duas grandes forças coesivas do idioma e da religião - uma, firmando a solidariedade da alma nacional na visão dos grandes ideais da vida, outra, veiculando na harmonia dos mesmos sons todas as suas
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9. W. H. MALLOCK, Is life worth of living? Trad. franc. de J. Forbes: La vie vaut elle la pene de la vivre(2)? Paris, 1882, p. 287. As exigências de uma religião dogmática já a expusera o autor algumas páginas atrás: Toda a "revelação deve necessariamente atribuir-se uma infalibilidade absoluta, e se uma igreja, que é inútil nomear, atravessa atualmente uma crise dolorosa é porque desconheceu esta lei. Uma religião sobrenatural que renuncia a esta infalibilidade confessa implicitamente que é uma revelação mutilada. É uma coisa híbrida, meio natural, meio sobrenatural e praticamente reduz-se a uma religião puramente natural", pp. 242-3. Todo este c. XI é uma crítica admirável do protestantismo, tanto mais para estimar quanto saída de uma pena racionalista.

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manifestações intelectuais e afetivas - essas, os legisladores, que as devem conservar e promover, não podem criar à força de decretos e de armas. São mimos da Providência. Nós os recebemos por mercê dadivosa. Cumpre conservá-los com amor e gratidão.

Encarada a esta luz, a propaganda protestante no Brasil afigura-se-nos como obra eminentemente antinacional. Em todo este trabalho arguimos o livro do Sr. C. PEREIRA de anticientífico. Agora denunciamo-lo como antipatriótico. E não é crime de leso-patriotismo semear no seio da família brasileira os germes da discórdia religiosa? Não é obra nefasta separar os membros duma mesma comunidade civil nas questões que mais interessam à vida espiritual dos povos? Por que criar aos poderes públicos as dificuldades quase insuperáveis, oriundas da diversidade de cultos? Por que multiplicar empecilhos quase irremovíveis à unidade e livre expansão da alma nacional em todos os seus ideais superiores? Quem ignora as grandes catástrofes sociais - opressões, tiranias, guerras civis - quem ignora os inúmeros obstáculos que, na legislação e na administração, na escola e no templo, criou e fomentou na Inglaterra, na Alemanha, na Suíça e na Holanda a introdução do protestantismo? Nos momentos mais solenes de sua vida política, nas dificuldades das grandes crises, estas nações já não podem congregar os seus filhos com o brado tão expressivo da unidade: um soberano, uma língua, uma religião.

Zelemos nós pela paz e pela independência, pela unidade e pelo progresso da nossa pátria. E para isto desvelemo-nos com solicitude por conservar, sobre todos os vínculos externos e artificiais da existência civil, os elos superiores da língua e da religião que irmanam as almas, fundindo as inteligências e os corações no ardor da mesma fé, no entusiasmo das mesmas esperanças, no amor do mesmo ideal.

Mas a reforma dos indivíduos que deve preparar a reforma da sociedade, não menos que o ponto de apoio de convicções profundamente arraigadas nos espíritos, precisa da energia motriz de corações retos e generosos e de caracteres fortes e bem temperados. A vontade livre é, em última análise, o princípio regulador e responsável da atividade humana. Para refrear as paixões das massas e canalizá-las nos limites da justiça e da caridade não basta a repressão material da força bruta; são necessários meios morais. Com o ferrão e o relho se treinam rebanhos, não se educam povos. Não é da metralha dos exércitos nem do rifle, das polícias que podemos esperar a suspirada regeneração. A lei moral implantada e

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respeitada no santuário das consciências é o guarda mais seguro das constituições e das leis, é a única solução do pavoroso problema social.

O que antes de tudo importa é combater no coração o egoísmo, que se manifesta na vida individual pela opressão dos fracos e dos pobres (strugle for life) e pela subordinação dos interesses coletivos aos interesses pessoais; que se mostra na família pela substituição da lei do prazer à lei do dever e pela limitação artificial da prole que estanca, nas suas fontes, a vida dos povos; que se revela na vida social, em cima, pela opressão do capitalismo que explora o trabalho, em baixo, pela vingança do proletariado organizado, que nas paredes injustas, imola muitas vezes os interesses do bem comum e nacional às vantagens aleatórias ou aos despiques caprichosos de uma classe. Para combater esse egoísmo multiforme toda a moral individualista é radicalmente impotente. Urge restaurar a lei moral genuína, objetiva, com os seus fundamentos divinos, superiores às flutuações das paixões individuais.

Ainda uma vez perguntamos qual é no mundo moderno a única autoridade moral capaz de restabelecer assim nos corações o império abalado da lei interior das consciências? Porventura o protestantismo com o seu individualismo egoísta e as suas máximas vacilantes? Uma religião sem dogmas fixos, sem coesão social, sem autoridade moral, que eficácia pode exercer nas almas modernas convulsamente revolvidas pela tempestade de fortes paixões desencadeadas? "Sem dogmas, já o disse JOUBERT, a moral não passa de máximas e sentenças; com o dogma, ela é preceito, obrigação, necessidade".10 “Se é mister disciplinar os indivíduos e reprimir o egoísmo, é evidente que o cristianismo deve ser uma força superior ao indivíduo e capaz de se lhe impor. O protestantismo baseado no racionalismo e no subjetivismo não tem meios para fortificar a noção fundamental do dever. A razão é de si impotente para exigir o sacrifício do .indivíduo aos fins sociais. É fato de experiência que o protestantismo se apressou a reduzir o dever à um mínimo possível".11 Eliminou o sacerdócio como guarda espiritual das leis morais; eliminou a necessidade das boas obras com a imoral teoria da justificação fideísta; eliminou o caráter sacramental e a indissolubilidade do matrimônio; eliminou o celibato e a virgindade, deturpou finalmente a noção de pecado mortal. Relaxaram-se destarte os freios que educam o coração e disciplinam a vontade.
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10. JOUBERT, Pensées, I. 41 bis.

11. G. CHATTERTON-HILL, The sociological value of christianity, Londres, 1912, p. 219.


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Nem parou nisto a dissolução moral introduzida pela Reforma. No terreno fértil do livre exame - regra de ação como regra de fé - germinaram as mais extravagantes teorias atentadoras dos costumes particulares e públicos. "Não há aberração moral, não há licença mesma que, aqui e ali, não se tenha manifestado em alguma seita entroncada no protestantismo. E notai que, assim falando, não aludo somente a alguns fanáticos excêntricos, mas aos mais graves e autorizados entre os pensadores protestantes, Não foi na Alemanha que uma escola teológica teve a desfaçatez de sustentar que a união extraconjugal não é crime e que nunca fora proibida pelo Evangelho?"12

Só o catolicismo forte na constituição social que lhe deu o divino Fundador, opôs sempre o intransigente non possumus a todas as recalcitrações imorais das paixões coroadas e das paixões populares. Só na Igreja católica se encontram hoje os meios naturais e sobrenaturais capazes de defender a moralidade evangélica. As estatísticas que já estudamos mostram-no à evidência. O catolicismo, concedemo-lo de boa mente, não imuniza os seus membros contra as seduções poderosas do crime. A liberdade do homem é o último arbítrio de que dependem os seus destinos morais. Nas suas mãos está o observar ou não a lei cristã, o servir-se ou não dos maios de defesa que lhe subministra a religião. Mas, em geral, a eficácia superior da moral católica é um fato que não admite contestações. É nas populações fiéis à Igreja que o suicídio, o duelo, o divórcio e o
neomaltusianísmo, que ameaçam dissolver a família e as nações, encontram as mais fortes barreiras de resistência. O ilustre professor genebrino que mais de uma vez já tivemos ensejo de citar, indica-nos as causas desta superioridade da moral católica. "Para que a religião seja eficaz, diz ele, os seus mandamentos devem estar fora da esfera da discussão. Donde se segue que para ser uma força social, no verdadeiro sentido da palavra, a religião deve ser dogmática, o seu critério deve ser objetivo, externo e superior ao indivíduo.

Só o dogma indiscutível pode impor-se com força suficiente como um imperativo categórico... O protestantismo mostrou-se radicalmente incapaz de apanhar o verdadeiro sentido do conteúdo da religião e do seu papel na vida social. Por este motivo tem sido sempre impotente para assegurar a integração da sociedade; longe de atuar como força integrante, tende constantemente a produzir, a
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12. W. H. MALLOCK, La vie Vaut-elle la peine de la vivre?(2), Paris, 1882, pg. 245.

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desintegração, a engendrar a anarquia social. Era consequência inevitável: ao protestantismo falecem princípios capazes de atuar como freio suficiente sobre o indivíduo e subordiná-lo a fins mais elevados".13

A evidência desta conclusão obscurada no século passado pelas paixões e pelo sofisma, acabou por dissipar as névoas e irradiar sua luz nos espíritos sinceramente observadores da realidade social. Na imensa seara de citações que poderíamos alegar enfeixemos uma pequena paveia de autoridades incontestáveis.

Na França ouçamos E. DE VOGÜE e A. LEROY-BEAULIEU. "Tous ceux qui regardent devant eux sont persuadés que rien ne peut préserver le monde de la crue démocratique et du socialisme que l'accompagne; on chercherait vainement en dehors de l'Eglise une force capable de diriger cette crue et de Ia domíner".14 “La paix sociale! le christianisme seul peut nous l'apporter; en dehors de lui il n'y a que la guerre de classes; et la guerre de classes nous y marchons, la guerre de classes nous l' avons déjà. La papauté est là entre les armées, près d'en venir aux mains, qui nous montre dans l'Evangile les conditions de la paix, d'une paix qui dure".15 Pela Inglaterra fale DEVAS: "A Igreja acusada de ser de outro mundo ou weltflüchtig, de contrariar a civilização material, é considerada pelos que aprofundam o olhar a1ém da superfície das coisas como a mais segura garantia dessa mesma civilização".16 Na Alemanha, nas vésperas da grande conflagração, assim se exprimia o célebre jurista, J. KOHLER, membro do conselho da universidade de Berlim: "Quem compreendeu o catolicismo deve confessar que ele possui
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13. CHATERTON-HILL, The sociological value of Christianity," pp. 214•5. Não maravilha, pois, que o ilustre catedrático, que não é católico, examinando a questão de um ponto de vista exclusivamente social, tenha proclamado a falência do protestantismo e a utilidade do seu desaparecimento. "O fato que o protestantismo não responde nem às necessidades sociais nem às necessidades individuais deve excluir esta forma de cristianismo de qualquer função no futuro desenvolvimento da sociedade ocidental. A eliminação do protestantismo que em toda a sua existência só tem sido um agente de desintegração social, não poderá de modo algum modificar a situação até hoje dominante a não ser para torná-la mais clara ..", pp. 228~29. Com a profundidade de sua intuição social, DE MAISTRE há quase um século havia chegado à mesma conclusão: "Pour rétablir une religion et une morale en Europe; pour donner à la vérité les forces qui exigent les conquêtes qu'elle médite, pour raffermir surtout le thrône des souverains (hoje, mais geralmente diríamos, o prestígio da autoridade), et calmer doucement cette fermentation générale de. espríts qui nous ménace des plus grands malheurs, un prélirninaire indispensable est d'effacer du dictionnaire européen ce mot fatal, protestantisme". Du Pape, Conclusion. Ed. de Lyon, 1819, 617.

14. E. DE VOGUE, Affaires de Rome, na Revue des Deux Mondes, 15 juin, 1887, p. 847.

15. A. LEROY-BEAULIEU, La Papauté, le Sociulisme et la Démocratie, na Revue deux Mondes, 15 dez. 1891, pp. 766•767.

16. CH. STANTON DEVAS, The Key to the World's Progress(2) , London, 1908. p. 31.


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um elemento de progresso de primeira ordem".17 Da cátedra de Genebra o professor CHATIERTON não cessa de inculcar a necessidade: de voltar aos princípios católicos para salvar a sociedade: "Não pode haver dúvida que o catolicismo é de muito, é imensamente superior ao protestantismo quando consideramos essas religiões no ponto de vista social. O enfraquecimento da influência do catolicismo nos países longamente submetidos à sua salutar disciplina é invariavelmente acompanhado de um enfraquecimento da autoridade e da coesão social".18 E pouco depois, enfeixando o resultado de suas investigações sociais: "Como chave deste estudo chegamos à conclusão de que o cristianismo constitui uma necessidade vital para a civilização européia e que a forma de cristianismo adaptada às exigências da sociedade ocidental não é o protestantismo senão o catolicismo. Porque só o catolicismo possui uma organização social, só o catolicismo é capaz de impor uma disciplina e assegurar a integração completa do indivíduo na sociedade, só o catolicismo constitui uma religião no verdadeiro sentido da palavra, visto como só ele faz apelo a princípios supra-racionais. E se dum lado só o catolicismo é capaz de subordinar o indivíduo à sociedade, e de garantir o sacrifício dos interesses individuais aos coletivos, - de outro só ele se acha em condições de satisfazer às necessidades emotivas e místicas da alma individual".19
Mais perto de nós, no Portugal irmão, respondendo a um inquérito aberto pelo Diário de Notícias, assim se externava recentemente ANTERO DE FIGUEIREDO: "Penso que do restrito materialismo que há meio século vem encurtando o círculo do pensamento humano, de sua essência voante e expansivo, se soltará a flecha do espiritualismo direito aos céus. Penso que todas as negações religiosas reagirão em afirmações de fé e que ante a dispersão das consciências cristãs, a unidade da consciência católica, cada vez mais cerrada, será montanha de luz de tão eloquente fulgor que atrairá a si dos confins do mundo tantas almas, tantas, que vai aí surgir uma época de conversões em massa".20
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17. J. KOHLER, no Der Tag, 1914, n. 144.

18. CHATTERTON-HILL, The sociological value of Christianity, London, 1912, p. 231.

19. Ib., op. cit., p. 251.


20. ANTERO DE FIGUElREDO, na resposta dada em 16 de dez. 1919 ao questionário do Diário de Notícias, de Lisboa. Ao concerto dos estrangeiros praz-me associar duas vozes de casa. "O catolicismo é uma força insubstituível na direção espiritual dos homens e das. coletividades, sem cujo concurso nenhuma obra social ou política pode ser duradoura". ANDRADE BEZERRA, no Jornal do Comércio, do Río, 30 de agosto de 1922, p. 4. Enquanto esse espírito [que sobrepõe o desejo do bem comum à intratabilidade cega e surda do egoísmo] que é o da Igreja católica, e nomeadamente quanto à questão social, o dos ensinamentos, de Leão XIII não triunfar na terra será vão esperar a paz entre as classes, a paz entre as nações". C. MAGALHÃES DE AZEREDO, O Vaticano e o Brasil, Rio, 1922, pp. 91-2. E aplicando pouco depois ao Brasil: "Tenho, a convicção mais firme de que ele [o ideal da nossa grande civilização futura] se realizará proporcionalmente à preponderância do espírito cristão nas instituições e nos costumes das novas sociedades americanas,... Cristianismo para nós... quer dizer catolicismo", p. 98.


CONCLUSÃO Pgs.461

Está julgada a questão. O Brasil é católico. Nasceu católico e católico há de viver. A nossa civilização, as tradições do nosso passado, as glórias de nossa história são inseparáveis da religião dos nossos pais. E não é quando o protestantismo alemão privado do seu papa fardado se debate numa confusão caótica; quando o protestantismo anglicano, na sua parte mais culta, se aproxima a grandes passos de Roma; quando o protestantismo norte-americano, pulverizado em mil seitas antagônicas, forma para o ateísmo e a incredulidade milhões de adoradores de Mamona; quando todo o mundo culto, não obcecado pelos preconceitos de partido ou pelo ódio sectário, proclama o catolicismo o mais forte baluarte da civilização ocidental ameaçada, que o Brasil renegando a glória dos seus maiores, o credo de sua infância e de sua juventude há de macular a pureza de sua historia religiosa com a nódoa de uma apostasia. Não; não queremos mil seitas a digladiarem-se no seio da nossa unidade espiritual; não queremos ver a família brasileira dilacerada na harmonia dos seus ideais mais elevados; não queremos assistir ao espetáculo doloroso dum povo, sempre unido nos vínculos de uma só Igreja, de uma só língua, de uma só pátria, a debater-se em lutas religiosas fratricidas.

Há no Brasil um problema religioso. Mas não é o que pensa o Sr. C. Pereira. Não se trata de alternativa de escolha entre o catolicismo e o protestantismo. Nosso problema religioso cifra-se na intensificação da vida católica no país. Cumpre reparemos os erros dos nossos. maiores. O império, inspirado numa política liberal de vistas acanhadas, encadeou a atividade expansiva da Igreja. A república, iludida pelos falsos reflexos de uma liberdade de consciência mal entendida, eliminou a influência religiosa da vida oficial do governo. Contraminemos os efeitos destes desacertos. Trabalhemos por inocular nas massas populares a consciência austera dos seus deveres cristãos. Restituamos à escola a instrução religiosa, base insubstituível da educação moral e cívica. Saneemos a nossa política e a nossa administração, fortalecendo nas almas os

CONCLUSÃO Pgs.462

princípios eficazes da justiça e da abnegação social. Infundamos nas nossas leis o espírito vivificador do cristianismo. O direito de um povo deve espelhar a sua religião; a consciência jurídica de um país deve ser o reflexo de sua consciência religiosa.

Na realização deste ideal de restauração católica na consciência dos indivíduos e no governo da sociedade, devem empenhar-se os esforços de quantos sentem palpitar no coração o amor da verdade e da grandeza da pátria.

A Igreja católica é a única fundada por Jesus Cristo, a depositária autêntica dos seus ensinamentos, a única via de salvação. Permanecer-lhe fiel é questão de consciência individual. Saibamos colocar a verdade acima de todos os interesses do tempo.

A Igreja católica é a grande educadora dos povos, a mãe venerável da nossa civilização, a sábia impulsora do progresso intelectual, moral e religioso das nações, a amiga sempre sincera da humanidade. Permanecer-lhe fiel é questão de consciência nacional. Saibamos amar o Brasil, com patriotismo sincero e esclarecido.


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